Crítica: Othelo, O Grande

 


Um dos primeiros registros exibidos pelo documentário Othelo, O Grande traz Sebastião Bernardes de Souza Prata, o Grande Otelo, respondendo a uma pergunta que lhe foi dirigida sobre sua relação com a política. O artista sintetiza que sua relação com o tópico fica restrita a sua habilidade de fazer rir. Provocação ou não de Grande Otelo, a verdade é que, ao longo do filme de Lucas H. Rossi, o público terá contato com uma das figuras mais emblemáticas da nossa cultura que durante toda a sua vida, intencionalmente ou não, desestabilizou muitas estruturas problemáticas do nosso país ao se fazer presente de maneira tão enérgica e carismática no teatro, na TV, na música e no cinema. 

Desafiando o racismo brasileiro, Grande Otelo se tornou um dos nossos artistas mais importantes do século passado, atravessando eras e gêneros narrativos que só destacaram o seu talento. Através do seu documentário, Lucas H. Rossi dimensiona muito bem essa importância com trechos de entrevistas do artista nas quais Grande Otelo procura elaborar em palavras o seu legado artístico e também o significado do seu sucesso na percepção do público, sobretudo o que isso representava para a presença de pessoas pretas no audiovisual brasileiro. O filme de Rossi então tem uma linha narrativa definida pela montagem desses depoimentos e faz isso de forma muito competente, construindo a trajetória de Grande Otelo por meio de esforços da linguagem cinematográfica auxiliados pelas próprias palavras do seu biografado. 


Othelo, O Grande contempla diversos momentos da carreira do artista. Na seara privada, o filme aborda sua infância em Uberlândia, quando foi entregue por sua mãe a uma outra família para receber a educação que ela não poderia proporcionar, até mesmo assuntos delicados como a morte da sua primeira esposa e do seu primeiro filho, algo tratado com uma reticências eloquentes pelo artista e pelo próprio documentário. No âmbito do itinerário das contribuições artísticas de Grande Otelo, o documentário é ainda mais feliz ao contemplar diversas fases da sua carreira: a participação na Companhia Negra de Revista e sua relação com Abadias do Nascimento na concepção de um teatro só de negros no Brasil, sua popularidade nas chanchadas e a estereotipação dos seus personagens nesses filmes e o seu renascimento artístico nas mãos de cineastas como Joaquim Pedro de Andrade (Macunaíma) e Werner Herzog (Fitzcarraldo), além da sua entrada na televisão em Escolinha do Professor Raimundo

Todos os momentos da trajetória de Grande Otelo são calibrados pelas reflexões do artista sobre o racismo nem sempre velado que sua presença nas telas gerou. Estabelecendo um paralelo recente, Othelo, O Grande tem forte relação com o documentário Diálogos com Ruth de Souza, na medida em que este também contemplava reflexão semelhante feita por outra artista brasileira de grande importância, entendendo como ambos conseguiram alcançar espaços e terem projeções inimagináveis para um negro no Brasil, com as oportunidades que eram dadas a suas carreiras em seus respectivos contextos. Em sua época, tanto Grande Otelo quanto Ruth de Souza realizaram verdadeiras subversões em uma estrutura produtiva ainda racista. 


Othelo, O Grande dimensiona o legado de Grande Otelo para futuras gerações, proporcionando uma consistente revisão na história do audiovisual brasileiro pela perspectiva racial. Nesse sentido, como uma boa biografia, o filme de Lucas H. Rossi é competente na reconstrução da trajetória profissional e pessoal do seu protagonista, mas quer ser mais do que uma mera trivia audiovisual. Othelo, O Grande é também um documento histórico profundamente comprometido com uma leitura sobre o passado de um país, de uma manifestação cultural e como tudo isso pode ser processado no presente.  



Avaliação


Título original: Othelo, O Grande
Ano: 2024
Duração: 77 minutos
Nos cinemas
Direção: Lucas H. Rossi
Roteiro: Lucas H. Rossi e Henrique Amud
Documentário

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Chovendo Sapos: Crítica: Othelo, O Grande
Crítica: Othelo, O Grande
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