Em 2008, fomos testemunhas do amadurecimento dos filmes de super-heróis com Batman: O Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan, nosso filme preferido daquele ano. Na mesma temporada, a Marvel Studios se firmava em voo solo e iniciava o projeto Vingadores com Homem de Ferro, num modelo de produção de filmes que, confessamos, não somos muito fãs. Nesse aspecto, desde então, os filmes de super-heróis têm sido um território de grande aprendizado no exercício crítico do site.
Particularmente - e isso pode até ser uma postura saudosista da minha parte -, sinto falta da época em que esses títulos eram feitos sem as amarras dos ambiciosos projetos cinematográficos que demandam a construção de um universo no qual filmes se comunicam, uma lógica de realização cinematográfica semelhante às séries de TV, tendo, no caso da Marvel Kevin Feige como um produtor que interfere criativamente nos títulos que fazem parte do grande "guarda-chuva" do estúdio, os Vingadores. Antes disso, os filmes podiam não estar à serviço do fetiche dos fãs de verem seus personagens favoritos coexistirem numa linha temporal e até numa mesma trama, mas aos diretores era dado um controle criativo que, cinematograficamente fazia bem a estas histórias. Há Nolan com a trilogia O Cavaleiro das Trevas, mas pensemos nos casos de Sam Raimi com Homem-Aranha, Bryan Singer e os X-Men, Tim Burton com Batman e Richard Donner com Superman.
Hoje em dia, filmes de super-heróis ão projetos difíceis de serem avaliados porque mesmo achando que o esquema de produção atual por vezes, criativamente, breca movimentos mais ambiciosos nessas produções, consigo encontrar pontos positivos na maioria delas. Portanto, acabam, inevitavelmente, sendo filmes que temos que equilibrar questões como gostos pessoais com a avaliação e análise daquilo que vemos. No final das contas, analisá-los e avaliá-los acaba sendo um grande exercício como crítico.
Batman: O Cavaleiro das Trevas foi um dos poucos títulos onde tais questões foram pouco conflitantes. Afinal, representa tudo aquilo que gostaríamos de ver em filmes de super-heróis e é uma obra muito bem realizada e marcante na história do cinema. Tanto que acabou firmando para a minha geração de críticos uma liberdade para citar esses tipos de produções em listas de final de ano, estabelecendo boas cotações para estas produções, sem que isso fosse visto como expressão de um fanboy. E, cabe destacar, Batman: O Cavaleiro das Trevas estreou no Brasil num ano de grande competitividade em virtude da estreia no circuito nacional de filmes da safra do Oscar de 2007-2008, uma das melhores da Academia, com Sangue Negro e Desejo e Reparação como seus principais concorrentes por aqui no site (como me arrependo de não ter reconhecido o valor de Onde os fracos não têm vez naquela época!).
Em virtude dos 10 anos de lançamento de Batman: O Cavaleiro das Trevas, fizemos recentemente um especial sobre o filme, leia aqui.
Ainda mais delicado do que escrever sobre filmes de super-heróis é avaliar os filmes protagonizados por Nicole Kidman. Quem acompanha meu trabalho há algum tempo sabe que a australiana é minha atriz preferida. Como crítico, sempre foi muito difícil lidar com esse afeto pela carreira da atriz no momento de analisar seus filmes. É claro que esse sentimento é determinante no juízo dos longas estrelados por Kidman e entendo que isso não deve ser negado ou sufocado, afinal é o que traz identidade ao meu trabalho. No entanto, também sempre ponderei algumas situações, tentando compreender como poderia ser minha leitura caso estivesse fora do fandom, por exemplo.
Nesse sentido, interpretações da atriz como a de Margot e o Casamento, do cineasta Noah Baumbach, me parecem importantes de se destacar e não à toa a escolhi como o melhor desempenho feminino como protagonista do ano de 2008, quando o longa chegou diretamente em DVD no Brasil. É uma daquelas preciosidades da carreira da Nicole que crítica e público só reconhecem com o tempo, mas que, como crítico, me sinto no dever de arriscar conferir destaque na sua época de lançamento, como foi o caso.
A estrela de cinema do porte de Nicole que se aventurou apostar em Lars von Trier em Dogville e Jonathan Glazer em Reencarnação opta por um Noah Baumbach pós A Lula e a Baleia em Margot e o Casamento. Trata-se de um dos melhores momentos de Kidman, quando ela dá vida a personagens que parecem dizer muito mais de si naquilo que esconde dos outros. Vi isso em As Horas, Reencarnação, Big Little Lies e Margot e o Casamento. Do que me recordo, chegamos a citar Julianne Moore duplamente com Ensaio sobre a Cegueira e Pecados Inocentes, Ellen Page em Juno e Meryl Streep em Mamma Mia!, mas foi a Margot de Kidman quem cativou nossas atenções naquele ano mesmo, uma personagem repleta de conflitos e traumas e que, nas telas, não fazia questão alguma de conquistar o espectador com sua simpatia tendo em vista a forma como tratava sua irmã interpretada por Jennifer Jason Leigh e seu único filho.
A estrela de cinema do porte de Nicole que se aventurou apostar em Lars von Trier em Dogville e Jonathan Glazer em Reencarnação opta por um Noah Baumbach pós A Lula e a Baleia em Margot e o Casamento. Trata-se de um dos melhores momentos de Kidman, quando ela dá vida a personagens que parecem dizer muito mais de si naquilo que esconde dos outros. Vi isso em As Horas, Reencarnação, Big Little Lies e Margot e o Casamento. Do que me recordo, chegamos a citar Julianne Moore duplamente com Ensaio sobre a Cegueira e Pecados Inocentes, Ellen Page em Juno e Meryl Streep em Mamma Mia!, mas foi a Margot de Kidman quem cativou nossas atenções naquele ano mesmo, uma personagem repleta de conflitos e traumas e que, nas telas, não fazia questão alguma de conquistar o espectador com sua simpatia tendo em vista a forma como tratava sua irmã interpretada por Jennifer Jason Leigh e seu único filho.
No ano de 2008 também tivemos Paul Thomas Anderson saindo de um hiato de quase seis anos depois da estreia de Embiagado de Amor com o filme que talvez seja uma de suas obras primas, Sangue Negro, que estreou no Brasil no início daquele ano. Anderson é um dos nossos cineastas favoritos como a referência do título do nosso site indica e aqui ele inaugura uma nova fase na carreira, bem diferente daquela que conhecemos em projetos como Boogie Nights e Magnólia e que se estendeu por filmes como O Mestre e o recente Trama Fantasma. O filme teve destaque por aqui sobretudo pela interpretação colossal de Daniel Day-Lewis como Daniel Plainview, o homem sucumbido pela ganância na corrida americana por petróleo. Provavelmente uma das atuações masculinas da década e que aqui foi lembrada como o melhor desempenho de um ator como protagonista.
Em 2008 também lembramos de Vanessa Redgrave por sua pequena participação em Desejo e Reparação. Redgrave interpretava Briony Tallis. A personagem de Redgrave era vivida na juventude por Saoirse Ronan, que levou todas as glórias do papel (inclusive a indicação ao Oscar). A atriz veterana participa de uma única cena no filme todo, porém bastante potente. Hoje, tenho minhas dúvidas se seria a escolha do site (também não me recordo das suas concorrentes por motivos que já relatei na parte um do especial), mas é representativa do lugar que o drama de Joe Wright, baseado no livro igualmente potente de Ian McEwan, tem em nossos corações, um filme que trata do poder restaurador e redentor da arte e que também esmiúça os riscos da precipitação de um julgamento baseado em poucos indícios - muito pertinente em tempos de linchamento virtual, por sinal.
Encerrando nosso Listão em 2008, Heath Ledger foi citado por sua memorável composição do Coringa de Batman: O Cavaleiro das Trevas. Até hoje nos impressiona o que Ledger foi capaz de fazer com o personagem no filme do Nolan representando uma força do caos e da anarquia com uma personalidade que, ao mesmo tempo, também conseguiu captar a essência da criação original dos quadrinhos da DC Comics. A interpretação do ator no filme lhe rendeu prêmios póstumos e até hoje é citada como referencial nos filmes do gênero quando o assunto são os vilões, muitas vezes os "calcanhares de Aquiles" dessas produções. Naquele ano, não tínhamos (nem podíamos) escapar do rolo compressor que foi Heath Ledger em Batman: O Cavaleiro das Trevas.
2009 foi um ano marcado por decisões controversas que até hoje fico na incerteza se foram as melhores, mas as compreendo quando as localizo no seu contexto histórico. Tudo caminhava para a escolha de Bastardos Inglórios de Quentin Tarantino como o melhor filme do ano no Listão do site até que em dezembro James Cameron chegou e lançou Avatar, filme que inaugurou a era do 3D nos cinemas. A experiência proporcionada por Cameron nos cinemas com esta aventura à la Pocahontas foi de grande impacto do ponto de vista tecnológico. Era a primeira vez que tínhamos contato com algo do tipo e Cameron fez uma aventura que de fato fora pensada para o formato, bem diferente daquilo que é feito hoje em dia.
Por impulso, Avatar foi escolhido como um dos melhores filmes de 2009 de acordo com o site. Por um lado, a escolha faz sentido, se pensarmos na sua importância histórica em termos tecnológicos, técnicos... Por outro, questiono se, narrativamente, o filme sobreviveu ao tempo já que, por exemplo, Avatar é um produto da cultura pop que não foi capaz de criar uma fanbase capaz de construir expectativas para o lançamento tão anunciado de suas sequências pelos próximos anos. Isso é um indício bem importante da efemeridade da obra do ponto de vista artístico.
Acredito que a insegurança sobre a escolha de Avatar como melhor filme de 2009 me fez trazer pela primeira e única vez um empate na categoria do Listão. Também escolhemos Amantes, drama sobre relacionamentos de James Gray, como o melhor longa lançado nos cinemas brasileiros em 2009. Como praticamente toda a carreira de Gray (uma injustiça, por sinal), Amantes segue sendo menos conhecido do que merece e traz ótimas performances do seu elenco, incluindo aqui Joaquin Phoenix e Gwyneth Paltrow, com uma história sobre paixões e renúncias de maneira madura, melancólica e "pé no chão". Uma escolha que titubeamos menos do que Avatar, mas seguimos pensando se não teria sido melhor empatá-lo com Bastardos Inglórios, um dos meus filmes preferidos na carreira de Tarantino.
Em 2009, o público brasileiro conferiu entre janeiro e fevereiro nos cinemas duas performances de Kate Winslet que dominaram as temporadas de premiações de 2008-2009. Por O Leitor e Foi Apenas um Sonho, Winslet venceu, na mesma edição do prêmio, os Globos de Ouro de melhor atriz coadjuvante e atriz em drama nas categorias de cinema. No Oscar, Winslet levaria o prêmio de melhor atriz por O Leitor, mas sempre preferimos seu desempenho em Foi Apenas um Sonho, seu injustiçado reencontro com Leonardo DiCaprio dirigido por Sam Mendes.
No longa, Kate capta com precisão o desespero das expectativas da juventude frustradas pela realidade do cotidiano da vida adulta. Devoramos o livro de Richard Yates que foi adaptado pelo roteiro do filme e, a nosso ver, Winslet deu vida à April Wheeler exatamente da maneira como a imaginávamos nas páginas do livro.
No longa, Kate capta com precisão o desespero das expectativas da juventude frustradas pela realidade do cotidiano da vida adulta. Devoramos o livro de Richard Yates que foi adaptado pelo roteiro do filme e, a nosso ver, Winslet deu vida à April Wheeler exatamente da maneira como a imaginávamos nas páginas do livro.
A temporada de Avatar - Amantes também foi a época que Ryan Gosling apresentou um dos melhores (e também mais injustiçados) desempenhos da sua carreira: A Garota Ideal, de Craig Gillespie, diretor que recentemente comandou Eu, Tonya. No filme, Gosling interpretou um rapaz com dificuldade de socialização que adquire uma boneca inflável e passa a conseguir estabelecer comunicação com o mundo através dela.
A premissa bizarra do filme é capaz de subverter expectativas e oferecer uma história sensível e humana. Iniciamos aqui uma "história de amor" com Gosling, que seria mencionado futuramente por outros trabalhos. Por isso, seguimos não compreendendo porque sua carreira é objeto de tantas "torcidas de nariz" por parte da cinefilia.
A premissa bizarra do filme é capaz de subverter expectativas e oferecer uma história sensível e humana. Iniciamos aqui uma "história de amor" com Gosling, que seria mencionado futuramente por outros trabalhos. Por isso, seguimos não compreendendo porque sua carreira é objeto de tantas "torcidas de nariz" por parte da cinefilia.
Como continuidade do nosso "momento Avatar", lembramos da interpretação de Zoe Saldana como a n'avi Neytiri em Avatar através da captura de movimentos como o melhor desempenho de uma atriz coadjuvante em 2009. Parte da escolha seguiu a mesma lógica da eleição do próprio longa como o melhor filme daquele ano pelo site, o impacto que a tecnologia de Avatar nos causou naquela época.
De fato, o trabalho de Saldana no departamento segue a excelência de Andy Serkis nas trilogias O Senhor dos Anéis ou Planeta dos Macacos, mas talvez escolhêssemos outra atriz caso nos fosse dada a oportunidade hoje em dia. Assim como a escolha de Redgrave em Desejo e Reparação no ano anterior, tem sua dose de arrependimento, mas por outros motivos. A categoria em questão ainda trará outras escolhas duvidosas que abordaremos em outras partes da nossa retrospectiva. Aguardem... rs
De fato, o trabalho de Saldana no departamento segue a excelência de Andy Serkis nas trilogias O Senhor dos Anéis ou Planeta dos Macacos, mas talvez escolhêssemos outra atriz caso nos fosse dada a oportunidade hoje em dia. Assim como a escolha de Redgrave em Desejo e Reparação no ano anterior, tem sua dose de arrependimento, mas por outros motivos. A categoria em questão ainda trará outras escolhas duvidosas que abordaremos em outras partes da nossa retrospectiva. Aguardem... rs
Se não lembramos de Bastardos Inglórios como o melhor filme de 2009, ao menos elegemos o desempenho de Christoph Waltz como Hans Landa na categoria melhor ator coadjuvante do Listão. O ator tem alguns dos momentos mais deliciosos do filme, assim como Ledger um ano antes foi premiado com diversos prêmios na sua temporada e interpreta um vilão. Combo irresistível.
Landa foi um personagem tão importante e definitivo para Waltz que tornou difícil para o ator surpreender o público com outra performance. Apesar do seu segundo personagem com Tarantino em Django Livre também ter lhe rendido prêmios como o Oscar, Landa virou uma espécie de referência na carreira de Waltz que repetiu algumas marcas do vilão em trabalhos como Água para Elefantes e O Besouro Verde, o que acabou decepcionando o público nos anos que sucederam sua performance premiada.
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