É impossível exigir que a cinematografia latino-americana não toque na "ferida" representada pelas ditaduras militares vivenciadas na história do continente. Como manifestação cultural, o cinema reflete o passado e os modos de viver do seu povo e países como o Brasil ou a Argentina foram profundamente marcados pelas cicatrizes da ditadura na história de muitas famílias. O recém vencedor do Oscar de melhor filme internacional, o brasileiro Ainda estou aqui é um dos exemplos recentes de obras que abordam esse assunto. Assim como também é o drama A Procura de Martina, co-produção Brasil e Uruguai dirigida por Márcia Faria.
A Procura de Martina conta a história de uma viúva argentina que há mais de trinta anos procura o neto nascido em cativeiro durante a ditadura militar em seu país. Diante do diagnóstico de Alzheimer, Martina toma uma medida drástica ao saber que o rapaz está no Rio de Janeiro. Ela viaja para o Brasil a fim de encontrar o neto antes que as lembranças sobre a história da sua família desapareçam.
O longa de Márcia Faria é uma narrativa centrada inteiramente na jornada da sua protagonista, sendo assim, o desempenho da atriz Mercedes Morán passa a ser fundamental para o êxito da obra. Morán entrega dramaticidade na luta desesperada de Martina contra o esquecimento, entendido pelo filme como o desaparecimento da sua memória, mas também da sua trágica história familiar. A direção de Faria é consciente de que seu filme funciona na medida em que deixa de lado qualquer vaidade cinematográfica para valorizar os esforços da sua atriz principal. Além de Morán, cabe destacar a presença de Cristina Banegas como uma das amigas de Martina e das atrizes brasileiras Luciana Paes, Carla Ribas e Stella Rabello, todas muito bem.
Co-roteirizado por Gabriela Amaral, cineasta brasileira conhecida pelos filmes O Animal Cordial e A Sombra do Pai, A Procura de Martina deixa um pouco de lado a dura realidade que retrata ao longo de boa parte da sua projeção para oferecer um desfecho poético à jornada exaustiva da sua protagonista. É belíssima a solução encontrada por Márcia Faria para o desfecho da busca de Martina pelo seu filho e a triste chegada do Alzheimer na vida da protagonista com um breve, há espaço para um comovente encontro entre mãe e filha além de um conto moral narrado pela personagem de Banegas.
A Procura de Martina possui semelhanças com Ainda estou aqui de Walter Salles. Ambos são filme que reverenciam a luta de mulheres comuns que tiveram que se reinventar diante da violência do Estado. São histórias que resgatam a importância de não esquecer uma traumática herança política, mas também uma lembrança da força dessas personagens, tendo elas existido ou sendo representativas de outras tantas que ainda seguem lutando contra a truculência do ataque contra direitos elementares do ser humano.
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