Desde 2018 às voltas com parte importante do universo cinematográfico da Marvel (Pantera Negra e Pantera Negra: Wakanda para Sempre), o diretor Ryan Coogler não entregava uma obra original aos cinemas. O jejum é quebrado com Pecadores, filme que mescla história dos EUA e cinema de gênero para trazer uma narrativa condizente com aquilo que o realizador sempre trouxe para suas plateias desde a sua estreia em longas no independente Fruitvale Station. Coogler é capaz de fazer uma narrativa engajante como entretenimento, dramaticamente bem construída, tecnicamente irrepreensível e politicamente comprometida com a afirmação da identidade afro-americana.
Pecadores traz a história dos irmãos gêmeos Smoke e Stack, interpretados por Michael B. Jordan. Eles retornam para sua cidade natal após ganharem um certo dinheiro com o crime em Chicago. Quando voltam para casa, Smoke e Stack compram uma propriedade rural e decidem abrir um empreendimento para apresentações de blues somente para a população negra local. O problema é que uma força sobrenatural começa a se manifestar naquela região e ameaça a noite de inauguração da casa noturna dos gêmeos.
Em suas primeiras horas, Pecadores usa a história dos gêmeos para explorar a efervescente cena cultural que começa a se formar nas comunidades afro-americanas, centrada sobretudo na relevância do blues para essa população. Aqui, o enfoque do diretor é explorar o que o gênero musical representava frente a anos de exploração da população negra americana e a influência artística do blues até dias atuais (há uma cena musical no bar dos protagonistas simplesmente irretocável que sintetiza muito bem essas ideias). Nas horas restantes, Pecadores é puro cinema de horror, com todo o senso de entretenimento que o gênero é capaz de proporcionar, incluindo com isso o uso da narrativa fantástica também para tecer um sensível e aguerrido comentário sobre a situação não apenas dos negros americanos, mas também de imigrantes europeus e orientais.
Coogler tem um ótimo elenco, a começar pelo protagonista Michael B. Jordan, um ator que encara muito bem o desafio de viver dois personagens sem apelar para a óbvia distinção caricata entre suas personalidades. Cabe destacar ainda o trabalho do jovem Miles Caton, intérprete do pastorzinho Sammie, um personagem tão relevante para a história quanto os irmãos vividos por Jordan. Além deles, Delroy Lindo tem uma participação espirituosa como o músico Delta Slim; Wunmi Mosaku interpreta a ex-esposa de um dos irmãos vividos por Jordan, um elo espiritual importante na trama; e Buddy Guy emociona na cena pós-créditos do longa quando acompanhamos um momento de Sammie na sua maturidade.
Pecadores é uma ótima incursão de Ryan Coogler em um cinema mais autoral após anos de Marvel. Com um orçamento mais robusto, o diretor conseguiu realizar um filme com bastante personalidade artística e profundamente comprometido com questões que sempre foram muito caras aos seus trabalhos antecessores. O novo filme de Ryan Coogler é uma aliança "mágica" e poderosa muito bem-vinda entre história e fantasia que demonstra mais uma vez a sua força como voz criativa em um cinema de estúdio cada vez mais refém de empreitadas sem pulso.
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