Logo no começo de Desconhecidos o espectador é tomado por uma sequência protagonizada pelos atores Willa Fitzgerald e Kyle Gallner na qual ele a persegue com um rifle. Imediatamente, tomamos a situação a partir do contexto habitual que esse tipo de cena costuma representar em filmes do gênero. A personagem de Fitzgerald está representando a mocinha em fuga, tentando sair da mira de um perigoso psicopata vivido por Gallner. A partir das próximas linhas, será inevitável entregar alguns spoilers de Desconhecidos, já que é difícil tecer qualquer consideração ou interpretação sobre o instigante longa de JT Mollner sem entregar detalhes da sua trama.
Dividido em seis capítulos, Desconhecidos apresenta seus personagens principais como "the lady" e "the demon", apelidos que são representações dos jogos sexuais empreendidos pelos protagonistas. Os personagens de Fitzgerald e Gallner têm práticas de dominação e submissão e, aos poucos, o espectador vai tomando proporção de que a dinâmica do casal nesse território é extrema, levando a uma confusão entre realidade e fantasia.
Desconhecidos apresenta uma estrutura narrativa que intriga. Os seis capítulos do filme apresentam a história sem linearidade para o espectador. Ainda assim, o embaralhamento dos atos do longa faz total sentido da forma como é apresentado, gerando uma experiência mais intrigante para o público na medida em que direção e roteiro conseguem manter uma constância no suspense.
O casal de protagonistas de Desconhecidos é dúbio, sobretudo a personagem feminina interpretada com entrega por Willa Fitzgerald, cujo trabalho de maior destaque até então é a primeita temporada da série Reacher. O longa consegue enganar o espectador a respeito da índole dessa personagem, "brincando" com arquétipos desse gênero de filme ao revelá-la como uma grande psicopata que busca sobrevivência diante de uma ação criminosa mal engendrada, enquanto o seu parceiro interpretado por Kyle Gallner é a vítima que procura o revide.
Apesar de impressionar bastante pelo seu domínio narrativo, por apresentar boas interpretações da sua dupla de atores principais, Desconhecidos tem a suas faltas. A subversão de expectativas gerada pelo longa proporciona uma interpretação "rebote" que pode colocar Desconhecidos em uma "saia justa", na medida que o longa pode ser visto como um discurso punitivista ou patologizante sobre a sexualidade das suas personagens principais. Além disso, o longa apresenta um epílogo que acrescenta muito pouco às ideias centrais do cineasta, só reforçando desnecessariamente tudo que já foi apreendido pelo espectador.
No final das contas, Desconhecidos é um projeto intrigante e repleto de virtudes, mas que não está imune a seus principais problemas. JT Mollner quase alcança um resultado perfeito, apresentando uma direção eficiente, com um roteiro que oferece uma estrutura narrativa singular e muito bem executada, centrado em duas interpretações afiadas, mas "peca" por não estar atento a armadilhas que enfraquecem um pouco o resultado dos seus esforços.
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