Indicado ao Oscar de melhor longa documentário, Trilha Sonora para um Golpe de Estado faz uma pesquisa histórica e uma investigação minuciosa a respeito das atividades dos EUA durante a Guerra Fria no processo de independência de países africanos. Em meio a todo esse processo político, o longa acompanha a efervescente cena cultural estadunidense, centrando suas atenções na ascensão do jazz por músicos negros como Nina Simone, Louis Armstrong, Thelonious Monk e John Coltrane.
Dirigido pelo belga Johan Grimonprez, Trilha Sonora para um Golpe de Estado tem um frescor na forma como narra os eventos do documentário calcando sua linguagem na maneira como as imagens de arquivo são montadas. Sem recorrer ao lugar comum e, por vezes, excessivamente didático, da narração ou do uso extensivo de depoimentos de testemunhas dos fatos (apenas quando são extremamente reveladores), Trilha Sonora para um Golpe de Estado conta sua trama repleta de intrigas globais intercalando imagens de arquivo, apresentações musicais e intertítulos que surgem na tela.
O fio condutor da narrativa do documentário é a independência do Congo em1960 e a trama conspiratória que levou ao assassinato do líder do país Patrice Lumumba. Ao mesmo tempo em que o mundo via uma crescente participação política da África na ONU, a independência dos africanos não representou sua liberação das amarras do colonialismo. Em plena Guerra Fria e temendo a ascensão da União Soviética e da "ameaça comunista", os EUA e seus aliados foram bastante proativos em golpes de estado ao redor do mundo, como os conhecidos na América Latina e na África, foco do filme.
A música estadunidense, como todo produto cultural da época, representou uma via de acesso a tomada desses países e isso também está presente no documentário. No entanto, nesse aspecto, há um elemento distintivo já que estamos falando da música negra estadunidense. Esses artistas dos anos 1960 viram na morte criminosa de Lumumba um estopim e passaram a se posicionar fortemente contra as intervenções violentas dos EUA na África, um processo que era um espelho dos próprios problemas raciais do país como denunciava Malcolm X, também um personagem fundamental deste documentário.
Trilha Sonora para um Golpe de Estado é um filme cujo impacto extrapola a tela. O diretor Johan Grimonprez é inquieto na comunicação, realizando um documentário inventivo no âmbito da linguagem, mas não deixa que esse arrojo técnico esmoreça a força e a emoção daquilo que quer dizer sobre o tema da sua obra. Robusto no volume de informações que expõe, mas evitando a frieza que costuma tomar alguns documentários, Trilha Sonora para um Golpe de Estado é exemplar para as produções do formato, resgatando o passado para convocar nossas emoções e refletirmos sobre estruturas sociais e políticas que seguem afetando as dinâmicas nas relações entre os povos no presente.
COMENTÁRIOS