A narrativa recente de Amy Adams na temporada de premiações já virou até meme. Sempre indicada, mas nunca premiada, Adams colecionou muitas menções na premiação da Academia ao longo da sua carreira por trabalhos tidos em grande estima pela crítica, como Retratos de Família, Dúvida e O Mestre. Porém, nos últimos anos, a atriz enfrenta uma sucessão de projetos que não corresponderam a suas promessas. Longas como Era uma vez um sonho, A Mulher na Janela e Querido Evan Hansen pareciam escolhidos a dedo para render, enfim, alguma vitória da atriz em premiações, no entanto, em todos, Adams recebeu algumas das piores avaliações da sua filmografia.
Canina de 2024 trouxe algumas menções positivas ao trabalho da atriz e até uma indicação ao Globo de Ouro na categoria melhor atriz em comédia ou musical, no entanto, mais uma vez a história de Amy Adams com as premiações ficou pelo meio do caminho e as menções ao longa pararam por aí. No Brasil, o filme chega direto ao streaming do Disney Plus, "pulando" uma esperada estreia nos cinemas. No entanto, no caso de Canina, o projeto em questão tem méritos para além da performance de Adams, então, em parte, foge à regra da maioria dos títulos mencionados anteriormente.
Canina tem uma premissa incomum. A protagonista desse longa de Marielle Heller (excelente realizadora responsável por Poderia me perdoar? e Um Lindo dia na Vizinhança) vive um conflito pessoal após ter abandonado o trabalho para se dedicar exclusivamente aos cuidados da casa e do filho recém-nascido há dois anos atrás. A personagem expressa todas as angústias existenciais desse momento particular vivendo como um cachorro em momentos isolados da sua rotina até que isso toma uma proporção inesperada, repercutindo no casamento da personagem.
A premissa bizarra de Canina é esclarecida logo mais pela própria Marielle Heller. A protagonista do longa, na verdade, não se transforma em um cachorro, mas se enxerga como tal como forma de expressar alguns dos seus principais sentimentos sobre o momento que vive.
Adaptado do romance de Rachel Yoder, o filme de Marielle Heller tem uma perspectiva original e crível sobre a maternidade. Ao invés de santificá-la, colocando-a em um pedestal que romanticamente blinda esse momento na vida de uma mulher dos problemas que lhe são inerentes, Canina os enfrenta e enxerga o "tornar-se mãe" como um estado primitivo que coloca em cheque os reais desejos da sua protagonista.
Ao deparar-se com a necessidade de resolver o conflito entre cuidar de um filho e seguir com sua individualidade, a personagem interpretada por Amy Adams se vê obrigada a reorganizar alguns departamentos da sua própria vida como instinto de sobrevivência sob pena de, ao final de tudo, acabar sendo aniquilada. Para tanto, algumas urgências vêm à tona, como a necessidade de compartilhar com o marido algumas demandas e ter uma vida para além das obrigações domésticas como forma de sentir-se completa como mulher e até mesmo na sua relação com o filho.
A forma como Heller observa a situação construída por Canina é extremamente humana e complexa, ainda que o filme "escorregue" ao não conseguir lidar muito bem a princípio com a analogia canina. Um dos pontos altos do longa, sem dúvida, é a interpretação de Amy Adams. Como poucas, Adams sabe trazer humanidade para esta protagonista, aproximando o público das suas dores e conflitos. A atriz ainda consegue lidar em cena com os meninos Arleigh e Emmet Snowden que compartilham o papel do seu filho no longa, uma relação que é construída de forma crível pelos esforços de Adams na interação com as crianças.
Infelizmente, Canina não rendeu as glórias esperadas para Amy Adams, mas é disparado um dos seus trabalhos mais bem-sucedidos em uma década complicada para atriz como tem sido os anos 2020. Apesar da dificuldade para lidar com a premissa incomum da "mãe que se transforma em cachorro", logo apelando no terceiro ato para a explicação didática de que tudo aquilo era uma metáfora, o filme de Marielle Heller acerta na abordagem humana e empática da crise existencial da sua protagonista e consegue isso graças, em grande parte, ao desempenho sensível da atriz.
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