Crítica: Anora

 


À primeira vista, Anora do cineasta Sean Baker parece uma comédia romântica no melhor estilo "gata borralheira" com ecos de Uma Linda Mulher. Ani, interpretada pela revelação do ano Mikey Madison prestes a abocanhar seu debut no Oscar na categoria melhor atriz, é uma jovem que trabalha em um clube de striptease prestando serviços sexuais para os clientes que frequentam o local. Quando o mimado herdeiro de um império russo fica encantado por Ani, ela é levada para um final de semana de farra em Las Vegas e acaba se casando com o rapaz. Logo, o sonho da moça desmorona porque os pais do noivo não ficam nada felizes de saber que o filho agora tem uma "garota das ruas" como sua esposa. 


É claro que o diretor de filmes tão criativa e emocionalmente enérgicos como Tangerine, Projeto Flórida e Red Rocket não deixaria esse conto de fadas protagonizado por uma profissional do sexo nas linhas banais de sua premissa. Anora é um filme que se desconstrói a todo momento, derrubando algumas expectativas do público com a sua trama principal. Assim que os pais do noivo de Ani batem na porta do filho pedindo explicações pelo seu matrimônio, Anora vira outro tipo de longa. 

Com seu novo projeto, um dos mais premiados da sua carreira (a começar pela Palma de Ouro no Festival de Cannes), Sean Baker faz uma espécie de screwball comedy. Nela, Ani interage com os capangas do pai do seu noivo que, irresponsavelmente, deixa a jovem em maus lençóis ao ser encurralado pelas pressões da sua família. Acompanhada pelos três homens, a protagonista de Anora tem que encontrar o jovem herdeiro russo no intuito de afirmar seu compromisso com ela, enquanto eles desejam que o rapaz se divorcie. 

Nesse interim, Baker faz um comentário pontual sobre classes sociais, destacando a forma descartável e irresponsável como estratos mais abastados exploram a classe trabalhadora, representada aqui por Ani. 
No entanto, cabe frisar, Ani está longe de ser a mocinha ingênua e frágil e fica evidente que, apesar de gostar do noivo Ivan, acima de tudo, ela enxerga nessa relação uma forma de mudar de vida e isso é observado pelo cineasta sem julgamento algum, mas com total empatia pela protagonista. Observando isso, ao final do longa, Sean Baker confirma a dura realidade para sua protagonista, que cai em si e confirma que o mundo é bem distante do "final de contos de fadas" que desejamos no íntimo como a forma de resolver todos os nossos problemas. 

O vínculo de Ani com Igor, capanga interpretado de forma silenciosa, expressiva e sensível por Yura Borisov, é a "cereja do bolo" de Anora. Desde o princípio, o rapaz sente uma empatia pela protagonista, enxerga nela dores semelhantes às suas e é perspicaz a forma como Sean Baker desenvolve a relação entre esses personagens como representativa do comentário central do longa a respeito das disputas de classe em questão. Da parte de Igor, existe uma maturidade para entender o tempo das coisas e o espaço de Ani, que vive uma situação extremamente turbulenta. Do lado de Ani, Baker compreende que as coisas não são tão fáceis e até ela interpretar de forma correta as intenções de Igor leva um tempo, sobretudo porque a maneira com a qual ela está habituada a entender as pretensões dos homens é outra. 


Anora detém a qualidade da maioria dos trabalhos do seu cineasta: um roteiro "redondo" e satisfatório, com um olhar atento a sutilezas, acompanhado por uma direção enxuta, leve e sensível. Além disso, confirma o talento de Sean Baker na direção dos seus atores. O elenco inteiro de Anora está bem, passando a impressão de que todas aquelas pessoas de fato existem tamanha organicidade com a qual seu diretor passeia pelo realismo. Enfim, Anora é engraçado e sensível, tem ótimos atores, um elenco em sinergia. Um dos filmes mais carismáticos da temporada. 


Avaliação


Título original: Anora
Ano: 2024
Duração: 139 minutos
No cinema
Direção: Sean Baker
Roteiro: Sean Baker
Elenco: Mikey Madison, Yura Borisov, Mark Eydelshteyn, Karren Karagulian, Lindsey Normington, Paul Weissman, Ella Rubin, Anton Bitter, Luna Sofía Miranda, Emily Weider. 

Assista ao trailer do filme:





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Chovendo Sapos: Crítica: Anora
Crítica: Anora
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