Malu é ambientado na década de 1990 e traz a convergência de três gerações de mulheres pertencentes a uma mesma família. As relações tem como ponto de origem Malu Rocha, personagem de Yara de Novaes, uma atriz em crise emocional que vive no mesmo teto com sua mãe conservadora e recepciona a sua filha recém-chegada da França. O roteiro do diretor Pedro Freire é inspirado na vida da própria mãe do realizador, também atriz com o mesmo nome da protagonista.
A partir deste drama familiar, Freire faz uma revisão da história do país representada em várias décadas por suas três personagens femininas. Dona Lili, vivida por Juliana Carneiro da Cunha, representa o conservadorismo opressor que conduziu o Brasil à ditadura. A protagonista Malu é a personificação do movimento de resistência e de liberdade de uma juventude que enfrentou os militares, guardando, inclusive, mágoas da mãe por esta ter repreendido tanto o seu comportamento libertário e sua escolha profissional. Já Joana, filha de Malu interpretada por Carol Duarte, é a juventude de um Brasil redemocratizado, repleto de expectivas, tentando construir sua própria identidade enquanto media o atrito entre esses dois países das gerações anteriores.
As associações entre as personagens e a história do Brasil construídas por Malu não estão isoladas nas épocas mencionadas no próprio filme, elas têm paralelos no presente com a ascensão de forças políticas tão repressoras quanto as da ditadura e que encontram igualmente adesão em parte da população. A dinâmica entre Malu, Lili e Joana segue significativa na história presente de uma sociedade ainda buscando construir a sua própria identidade no porvir de um Brasil.
Com Carol Duarte e Juliana Carneiro da Cunha, Yara de Novaes tem cenas intensas onde os mundos e as personalidades distintas de Malu, Lili e Joana se chocam, vindo à tona afetos e mágoas. Todas são cenas de forte dramaticidade sustentadas por uma direção de atores primorosa de Pedro Freire e pela sensibilidade de atrizes que conseguem acessar com precisão as nuances dessas mulheres.
Juliana Carneiro da Cunha interpreta uma mulher repleta de preconceitos, proporcionando dor sob o disfarce de uma pretensa inocência, mas que não é um mal estereotipado, conseguindo também ser capaz de dar amor à filha e à neta e ter suas próprias dores fruto de abusos de uma estrutura opressora que, contraditoriamente, perpetua. Já Joana sofre as consequências de ter crescido em um lar instável e de ter uma mãe com personalidade fascinante, mas, muitas vezes narcisista, fazendo com que qualquer uma de suas conquistas soe pequena diante de alguém "maior que a vida" como Malu. Há muitas nuances nessas mulheres e elas só se aprofundam na medida em que seus desejos e suas respectivas bagagens de vida entram em colisão no roteiro desse longa.
Com três personagens complexas executadas com primor por suas atrizes principais, Malu consegue ser um filme que sintetiza a história política do nosso país como um ciclo: passado, presente e futuro; passado, presente e futuro. É um grande feito cinematográfico, daqueles difíceis de serem atingidos pois consegue ser satisfatório em várias frentes. É completo.
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