Depois de vencer o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza, o candidato oficial do Brasil a uma vaga no Oscar na categoria melhor longa internacional Ainda estou aqui de Walter Salles estreia nas salas de cinema do Brasil. O longa retoma o interesse do diretor pelo período histórico da ditadura, algo que fez em Terra Estrangeira, também com Fernanda Torres no elenco, pela ótica do drama familiar vivido por uma figura célebre do país, o escritor Marcelo Rubens Paiva, a partir do seu próprio relato em um romance homônimo lançado em 2015.
Ainda estou aqui conta parte da infância de Marcelo Rubens Paiva nos anos 1970 quando
seu pai foi tirado de casa pela ditadura militar, torturado e morto, sem que o corpo sequer fosse encontrado para ser enterrado pela esposa e pelos filhos. O filme de
Walter Salles traz a perspectiva da mãe de Marcelo Rubens Paiva, a dona de casa Eunice Paiva, interpretada pela Fernanda Torres, uma mulher que em virtude da experiência trágica transforma-se em uma importante ativista e advogada.
Com Ainda estou aqui, Walter Salles confirma sua vocação para o drama humano, explorando as reações de Eunice Paiva nesse contexto, mas diferente de Central do Brasil, as emoções parecem propositalmente contidas. Além da dor de perder o marido, Eunice tem que lidar com questões de ordem prática que passam a ser prioritárias em sua vida. A protagonista deste drama tem que se recompor para assumir a liderança dessa família a partir do desaparecimento de Rubens. Nesse sentido, claro, o longa conta com uma interpretação sensível e inteligente de Fernanda Torres, que capta com muita perspicácia a especificidade desta personagem, do seu drama e as intenções de Walter Salles. É uma interpretação muito sutil, silenciosa e que impõe sua autoridade. Não é dada a grandes explosões, mas consegue dar conta de uma gama muito ampla de sentimentos que tomam conta da jornada desta mulher.
Cabe destacar também a presença de Selton Mello como o pai do Marcelo Rubens Paiva. Mello tem uma presença tão viva e calorosa na primeira parte do filme e isso é fundamental para que o público sinta o vazio que sua ausência deixa na vida de Eunice e dos filhos.Também é muito forte a singela participação de Fernanda Montenegro interpretando Eunice Paiva mais velha, já sofrendo com o Alzheimer. É muito breve, Montenegro não tem falas, mas é tão poderosa a presença dela e o que ela faz nesse filme.
Muitos pode argumentar que Ainda estou aqui é mais um filme nacional sobre a ditadura. É sim isto e não há demérito algum nessa leitura, especialmente quando na nossa história recente a violência desse período foi minimizada pela ignorância ou pela retórica de muitos políticos. Ainda estou aqui não soa redundante no Brasil pós-2018, soa mais urgente do que nunca e Walter Salles sabe como "desenhar" o mal representado pela ditadura pela via do drama humano, aquilo que sempre fez com excelência em seus filmes e que aqui, mais uma vez, faz com muita destreza e sensibilidade.
COMENTÁRIOS