No documentário Fernanda Young: Foge-me ao Controle, a diretora Susanna Lira presta uma belíssima homenagem à artista falecida em 2019. Experiente em biografias, já que foi a realizadora por trás de Mussum, um filme do cacildis e Clara estrela, Lira foge da obviedade na condução de toda a trajetória de Fernanda Young, injetando emoção, pessoalidade e muita poesia em sua narrativa neste documentário.
A partir de trechos da própria obra literária de Young, Lira adota uma narrativa não linear, coerente com o legado artístico da biografada, e dá conta de uma série de temas que tangenciam a vida da protagonista deste filme: maternidade, feminismo, dislexia, nudez, adolescência, casamento, depressão, processo criativo e sua atuação multimidiática. Preocupando-se mais com assuntos que definem Fernanda Young do que com ações que fizeram para da trajetória pessoal e profissional da escritora, Lira consegue dar uma dimensão mais completa da complexidade do universo interior da artista, captando a atenção do público desde o começo do filme.
Os trechos do trabalho de Young são lidos pela atriz Maria Ribeiro, que sustenta muito bem a personalidade da escritora - em outro momento, Cecília Young, filha da artista, surge para narrar um texto de sua própria autoria sobre os pais em um movimento muito sensível de Susanna Lira. Os áudios com as narrações são acompanhados por imagens do arquivo pessoal da própria Young e de outros acervos, de diferentes épocas e mídias, que de alguma forma "conversam" com os sentimentos da protagonista deste documentário. Esta decisão narrativa de Susanna Lira é acertada, afinal de contas a obra ficcional de Fernanda Young sempre foi marcada por um alto nível de pessoalidade a ponto da escritora ser confundida com seus próprios personagens. Então, nada mais justo do que sua história de vida ser contada pelas palavras dos seus próprios romances, ensaios etc.
Com Fernanda Young: Foge-me ao Controle, Lira consegue o feito de praticamente desaparecer como instância autoral desse trabalho e fazer um filme que parece obra da própria Fernanda Young, tamanho o nível de proximidade com a intimidade da escritora que ela consegue acessar e expressar. Auxiliada pela belíssima interpretação de Maria Ribeiro, Lira alcança uma narração em primeira pessoa que trabalha muito bem a melancolia, a verve anárquica e iconoclasta e a sensibilidade de Fernanda Young, trazendo a artista como alguém profissionalmente multifacetada que sempre esteve na vanguarda e rompeu com as expectativas tanto dos intelectuais quanto da indústria cultural, mas que também soube muito bem deixar o seu legado e impor sua presença nessas duas instâncias.
O longa fica como um registro muito íntimo da personalidade da artista que atende à saudade da sua presença sentida pelos fãs, mas que também pode ser uma porta de acesso para seu trabalho por uma geração que talvez não conheça a obra de Fernanda Young. É um daqueles documentários biográficos definitivos sobre a vida de uma artista.
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