Já foram realizados muitos filmes sobre gastronomia, mas possivelmente poucos oferecem a experiência que O Sabor da Vida proporciona, independente das suas impressões finais sobre o drama de Tran Anh Hung - e as nossas não foram completamente positivas. Hung dedica parte da sua obra a registros quase que em tempo real dos personagens de Juliette Binoche e Benoit Magimel na cozinha concebendo os mais diferentes tipos de pratos.
O longa venceu o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes de 2023 e conta a história do dono de uma grande propriedade rural e sua cozinheira que por cerca de 20 proporcionam verdadeiros banquetes para os mais diferentes convidados. Eugenie (Binoche) e Dodin (Magimel) criam afeição um pelo outro, algo que ultrapassa a relação de patrão e empregada e, apesar dele constantemente pedi-la em casamento, ela recusa a todo momento a mudança de status dos dois. O "casal" é surpreendido quando ela é diagnosticada com uma doença em estágio terminal.
O prêmio de direção dado em Cannes a O Sabor da Vida não deixa de ser merecido pois o filme tem diversos méritos nesse departamento. Hung dirige de forma muito interessante o passo a passo da criação dos pratos pelo casal de protagonistas, dimensionando não só o caráter laboral (braçal, precisamente) da gastronomia (o encontro de ingredientes nos recipientes, o barulho das colheres em cada mexida de panela etc.), mas também a paixão daqueles personagens por aquela atividade. Existe algo de prático e mágico no cotidiano de Eugenie e Dodin captado pelo som, pela ação na execução dos pratos e por uma direção de fotografia que valoriza tonalidades do decorrer do dia com o auxílio de elementos naturais como a luz que bate na janela, reflete nos utensílios domésticos e móveis da cozinha e produz um efeito estético, mas também dimensiona o tempo que os personagens levam se dedicando àquela atividade.
O longa tem grandes problemas na construção do roteiro. O Sabor da Vida romantiza excessivamente a condição de Eugenie, como se o amor justificasse as horas árduas dedicadas por aquela mulher à cozinha, lidando praticamente sozinha com a parte mais difícil daquele trabalho. Ao final, o cineasta ainda cria um diálogo entre Eugenie e Dodin em que a primeira dá a entender que a condição de cozinheira na vida do seu parceiro é superior a de esposa. Será ou isso é apenas retórica do filme?
O Sabor da Vida entende a relação dos protagonistas como algo que vai além das panelas e do fogão. Para o diretor, é o amor que Eugenie e Didon sentem um pelo outro que dá sentido aquela vida dedicada exclusivamente à comida. Esta linha de raciocínio possui algumas armadilhas se pensarmos na trajetória de Eugenie, que, sim, é lindamente interpretada por Juliette Binoche, mas passa longe de ter as melhores recompensas por cerca de 20 anos de dedicação. A impressão que fica é que o realizador deseja fazer um grande exercício de convencimento a respeito de algo que não é tão "perfeito" assim, envolvendo o cotidiano da cozinha com uma beleza que muitas vezes mascara a disparidade de experiências entre os dois personagens.
Avaliação
Título original: Le passion de Dodin Bouffant
Ano: 2023
Duração: 135 minutos
Disponível no Amazon Prime Video
Direção: Anh Hung Tran
Roteiro: Anh Hung Tran e Marcel Rouff
Elenco: Benoit Magimel, Juliette Binoche, Emmanuel Salinger, Patrick D'Assumpção, Galatéa Bellugi, Jan Hammenecker, Frédérick Fisbach, Sarah Adler.
Assista ao trailer do filme:
COMENTÁRIOS