Estranho Caminho conta a história de David, um jovem cineasta brasileiro que mora há anos em Portugal e retorna ao Ceará para apresentar seu filme em um festival de cinema. David mudou-se para Portugal ainda pequeno com sua mãe depois que seus pais se separaram, perdendo o contato com o pai com quem tem receio de voltar a se relacionar. Enquanto está no Brasil, o rapaz é surpreendido pela pandemia da COVID-19 e tem sua estadia no país prolongada. É nesse momento que, sem hospedagem e recursos financeiros, ele procura o pai Geraldo e lhe pede ajuda, fazendo com que os dois passem a ter uma convivência mais íntima.
Estranho Caminho é dirigido pelo experiente Guto Parente, de longas como Inferninho e O Clube dos Canibais. Ao drama centrado na história do reencontro entre pai e filho e seus esforços de reconciliação, Parente incorpora uma dose de elementos fantásticos, algo que o espectador perceberá no decorrer do desenvolvimento da história.
O "coração" desta narrativa está nas trocas entre os atores Lucas Limeira (o cineasta David) e Carlos Francisco (o pai Geraldo) em um cenário de dimensões geográficas reduzidíssimas, um apartamento. David é levado por força das circunstâncias a passar parte do lockdown na casa do pai, alguém com quem tem pouca intimidade. Ambos relutam conviver um com o outro e Geraldo trata David com um distanciamento conflitante, já que também apresenta alguns esforços de aproximação. Parece que algo força o personagem a repelir qualquer movimento de estreitamento de laços com o filho.
A direção de Parente busca imprimir bastante poesia a esta história de reconciliação, de busca por uma paternidade rejeitada ou interrompida, relegada à memória de uma primeira infância distante. É constante na história desses personagens a imaginação daquilo que poderia ter sido uma convivência mais constante. Parte do ótimo resultado de Estranho Caminho se deve a um roteiro que desenvolve bem a relação entre pai e filho e também ao ótimo desempenho da dupla de atores principais. Lucas Limeira traz para David muita sensibilidade, ao passo que Carlos Francisco, com pouquíssimos minutos de cena, domina o filme, trazendo muita verdade a Geraldo, um homem de personalidade difícil, mas instigante, magnética e misteriosa.
Estranho Caminho é um drama centrado naquilo que há de mais elementar na experiência humana, nossas relações familiares, marcadas por ressentimentos, dificuldade de conexão, mas também, muitas vezes, contrariando todos os indícios, pelo amor. É um longa que "abraça" essas emoções e relações intensas, que por vezes estabelecem conflito, mas por oras encontram alguma trégua, e Guto Parente que faz isso com recursos mínimos: um roteiro simples e bem amarrado e dois ótimos atores que conseguem criar uma relação genuína em cena.
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