Crítica: Jardim dos Desejos


Paul Schrader é um dos nomes mais importantes do cinema estadunidense. Expoente da Nova Hollywood, onde colaborou como roteirista também de outro cineasta relevante dessa geração, Martin Scorsese em Taxi Driver e Touro Indomável, Schrader é exímio em contar histórias com muita personalidade e que exibem ainda muito fôlego e ousadia, mais do que muitos realizadores mais jovens do que ele. Basta lembrarmos alguns dos mais recentes títulos de Schrader como diretor e roteirista: O Contador de Cartas de 2021 e Fé Corrompida de 2017. 

Com Jardim dos Desejos o diretor e roteirista exibe o mesmo frescor de sempre ao tecer uma narrativa sempre disposta a envolver, intrigar e surpreender o espectador. Antecipamos que é bem difícil tecer qualquer consideração sobre este filme sem entregar detalhes sobre sua trama, então, alerta: esta crítica contém SPOILERS!

Na era do cancelamento em redes sociais, Paul Schrader traz em Jardim dos Desejos a história de Narvel (Joel Edgerton), o jardineiro de uma mulher extremamente rica (Sigourney Weaver) que tenta se redimir do seu passado como integrante ativo de um grupo de supremacistas brancos. Ele é incumbido por esta mulher de receber a sobrinha-neta dela em Jardins Gracewood, propriedade da sua patroa sustentada pelo valor histórico do seu jardim. Acontece que a jovem de passado rebelde é negra e é rejeitada por essa parente rica, mas será ela a oportunidade de redenção de Narvel.


Jardim dos Desejos é marcado pela extrema sensibilidade e inteligência a partir das quais Paul Schrader conta suas histórias, sempre escapando de estruturas narrativas óbvias e caminhos convencionais de montagem e condução de cenas. A maneira como o diretor revela gradualmente elementos do passado vergonhoso de Narvel em flashbacks usados com uma economia incomum e inseridos ao longo da narrativa de forma brusca e pontual é certeira. A forma como o racismo aparece como manifestação velada no caso da viúva rica Norma Haverhill de Sigourney Weaver ou como um segredo guardado com um certo embaraço no esforço de transformação da parte de Narvel também são pontos altos do trabalho de Schrader, sempre muito elegante e direto na condução de suas histórias. 

Em Jardim dos Desejos, o público tem contato com uma investigação comprometida sobre a gênese da intolerância em uma sociedade ainda segregacionista, algo que se reverbera em um fascismo incompreensivelmente em alta e ainda defendido por alguns, o diretor e roteirista mostra dois lados de uma mesma moeda. Por uma ótica, Paul Schrader mostra como certos caráteres não têm redenção, como é o caso da Norma, interpretada primorosamente por Weaver, uma mulher que carrega o preconceito de longa data e não apresenta o menor esboço de querer transformar sua concepção de mundo. Do outro lado, o cineasta explora os meandros da jornada de redenção de um sujeito. Narvel, vivido por Joel Edgerton, é um homem envergonhado do seu passado e que há anos parece investido em redimir-se. 

A presença de Joel Edgerton e Sigourney Weaver como Narvel e Norma, respectivamente, e a condução que Schrader dá a esses atores também é um ponto alto de Jardim dos Desejos. Edgerton traz Narvel como um sujeito prático, mas que parece sempre regular seus passos por parâmetros éticos, afinal, mais do que ninguém, ele parece ciente das consequências de andar fora da linha. Já Weaver dá vida a uma mulher cheia de hipocrisia que esconde sob o manto da cortesia um preconceito que causa repulsa. Como é bom ver Sigourney Weaver utilizar todos os recursos que estão a sua disposição em prol de cada ação e reação da sua personagem, em um trabalho difícil que exige da atriz carregar falas que na maioria das vezes contrariam os desejos da sua personagem. Há ainda a ótima Quintessa Swindell, que pôde ser vista em Adão Negro, e que aqui explora todo o seu potencial dramático em cenas importantes com veteranos como Edgerton e Weaver.  


Com Jardim dos Desejos, Paul Schrader faz um filme mais atual do que nunca. É uma obra que aborda a possibilidade de redenção de pessoas que cometeram atos terríveis no passado, entendendo quando há possibilidade de mudanças (no caso de Narvel, não é à toa que ela surja do seu contato constante com as flores e do amor que passa a nutrir pela jovem vivida por Swindell) e quando estamos diante de "casos perdidos", a viúva rica vivida por Weaver. Schrader faz um filme sobre dar oportunidade para as pessoas mudarem quando elas se mostram abertas à transformação. 

 É um filme que lança uma luz na necessidade de manter o equilíbrio (ainda que seja muito difícil) e acreditar na possibilidade de redenção do ser humano mesmo diante de situações que nos causam repulsa e que nos levam a desacreditar na humanidade. É possível que sejam casos raros, mas acreditar em quadros como os do protagonista Narvel talvez nos dê algum tipo de esperança.  É um ponto de vista que parece urgente em tempos que insistem em fazer a gente acreditar cada vez menos no ser humano. Jardim dos Desejos então é um longa que aborda a importância de não perdermos o fio da meada de uma sociedade que pretenda preservar qualquer resquício de civilidade. 

 

Avaliação


Título original: Master Gardener
Ano: 2022
Duração: 111 minutos
Nos cinemas
Direção: Paul Schrader
Roteiro: Paul Schrader
Elenco: Joel Edgerton, Sigourney Weaver, Quintessa Swindell, Esai Morales, Eduardo Losan, Victoria Hill, Amy Le, Erika Ashley, Bruce Mohat, Timothy McKinney

Assista ao trailer:



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Chovendo Sapos: Crítica: Jardim dos Desejos
Crítica: Jardim dos Desejos
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