Em 2016, William Oldroyd dirigiu Lady Macbeth, um drama cheio de personalidade que revelou para as plateias a atriz Florence Pugh, dois anos depois indicada ao Oscar por Adoráveis Mulheres de Greta Gerwig e alçada a um novo posto no imaginário do público com o perturbador Midsommar. Levou cerca de oito anos para Oldroyd retornar com um novo projeto, no caso, o suspense hitchcockiano Meu Nome era Eileen, que traz para o centro da sua ação as atrizes Thomasin McKenzie e Anne Hathaway. A nova empreitada de Oldroyd é igualmente corajosa e disposta a mexer com estruturas e marcas narrativas clássicas.
Meu Nome era Eileen - por sinal, uma péssima tradução de título que entrega parte do desfecho do filme - conta a história de Eileen (Thomasin McKenzie, de Jojo Rabbit), uma jovem reprimida de 24 anos. Eileen trabalha em um presídio e cuida do pai, um ex-delegado que não consegue superar os problemas do seu matrimônio com a mãe da protagonista. A jovem fica fascinada por Rebecca (Anne Hathaway), uma psicóloga que passa uma temporada no presídio onde Eileen trabalha, prestando serviços como conselheira.
É interessante a forma como William Oldroyd mobiliza marcas já estabelecidas do dito "suspense psicológico" abrindo um franco diálogo com a filmografia de Alfred Hitchcock, diretor que cimentou a estrutura narrativa desse gênero, mas estabelecendo pontuais revisões nesse legado para atender à sociedade que estamos vivendo. O diretor revisa sobretudo os arquétipos do protagonista dessas histórias e da femme fatale, personagem feminina que surgia em dado ponto para colocar o "herói" em apuros.
No centro da discussão de Meu Nome era Eileen, duas mulheres. No filme, há reviravoltas que mostram como nossas crenças sobre as protagonistas Eileen e Rebecca estavam equivocadas. A personagem de Anne Hathaway é uma representação de personagens que foram batizadas nos filmes de Hitchcock como "loiras geladas". Ao mesmo tempo, a jovem interpretada por McKenzie é uma outsider reprimida sexualmente que desenvolve um fascínio pela personagem de Hathaway. Ambas não são bem aquilo que nossas concepções iniciais indicavam que elas eram.
ATENÇÃO, A PARTIR DAQUI ALGUNS SPOILERS!!!
A reviravolta em torno das personagens de Hathaway e McKenzie envolve um crime e o espectador acaba descobrindo que a primeira não era tão segura quanto aparentava e a segunda tem muito mais do que sua sexualidade reprimida por trás do seu temperamento social esquivo. No final das contas, Rebecca, uma mulher metropolitana de gestos sofisticados, bem instruída e à frente do seu tempo, entra em um vespeiro para o qual não estava evidentemente preparada e acaba trocando os "pés pelas mãos". Ela não era uma "arapuca" para Eileen. Já Eileen aproveita uma oportunidade aberta por esta personagem e troca qualquer desfecho romantizado pela sua liberdade, revelando uma frieza em situações que desestabilizariam e gerariam traumas em qualquer pessoa. Há desempenhos bem aplicados de Thomasin McKenzie, ótima ao revelar detalhes da psicologia da sua personagem em gestos contidos, e Anne Hathaway, que brilha ao se transformar em uma espécie de Kim Novak em Um Corpo que Cai, oscilando entre um tipo seguro e extremamente sedutor, mas sempre enigmática, gerando uma certa instabilidade no público e na protagonista.
É surpreendente que Meu Nome era Eileen seja apenas o segundo longa-metragem de William Oldroyd, tamanha a engenhosidade de todos os ativos desse filme: roteiro, direção e atuações. Olhando para o passado como um meta-comentário sobre um gênero, mas não se transformando em veículo fulgaz de uma nostalgia, Meu Nome era Eileen entrega um interessante exercício de Oldroyd em cima de estruturas narrativas clássicas. Estamos falando de um filme inteligente, perspicaz e protagonizado por atrizes que entregam desempenhos que entregam a dedicação e o estudo que estão por trás de suas escolhas.
Avaliação
Título original: Eileen
Ano: 2023
Duração: 97 minutos
Disponível no Telecine (através da Globoplay ou Amazon Prime Video)
Direção: William Oldroyd
Roteiro: Luke Goebel e Ottessa Moshfegh
Elenco: Thomasin McKenzie, Anne Hathaway, Shea Whigham, Sam Nivola, Siobhan Fallon Hogan, Tonye Patano, Owen Teague, Peter McRobbie.
Assista ao trailer:
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