Crítica: Aftersun

 

Memória agridoce

Longa resgata de maneira sensível as lembranças dos últimos momentos vividos entre pai e filha. 




A partir de memórias pessoais, a diretora e roteirista Charlotte Wells conta a história de uma garota de 11 anos que passa um feriado junto com seu pai na Turquia. Aquilo que promete ser uma temporada divertida, acaba sendo o despertar dessa garota para os problemas que acometem o pai, algo que somente na maturidade ela vai ter uma dimensão mais precisa a respeito. Aftersun tem essa atmosfera agridoce, uma melancolia repleta de sentimentos positivos, genuínos e puros, para registrar aquele que promete ser o último momento compartilhado entre pai e filha. 

O filme de Charlotte Wells retrata com uma sensibilidade singular o instante da infância no qual começamos a perceber a humanidade em nossos pais, os indícios de uma falibilidade. É o registro de coisas que não são ditas ou compreendidas instantaneamente, informações esparsas que são registradas e intrigam uma criança de 11 anos, mas que só serão entendidas de fato na vida adulta, não só porque esse acaba sendo o momento no qual estamos maduros o suficiente para entender as coisas, mas também porque acabamos repetindo em nossas biografias alguns passos dos nossos pais. O longa acerta ao incorporar na sua narrativa o desabrochar dessa perspectiva mais humana sobre a figura paterna, uma intuição sobre as suas fragilidades que contrasta com a imagem do ídolo imbatível predominante na tenra infância.  


Aftersun conta com uma direção nada óbvia, que opta pela sensibilidade, mas evita a pieguice. É uma direção bastante sensível, mas também astuta, que explora com muita inteligência as possibilidades da linguagem audiovisual ao valorizar espaços e informações que em um primeiro momento não seriam prioritários em um plano, como os cantos da tela, os reflexos dos personagens em objetos... O filme de Wells opta por uma condução e montagem que se espelham na narrativa da memória infantil, tendo o banal como tom predominante e os aspectos mais valiosos para a compreensão dessa história entregues da forma mais discreta possível. 

A princípio, o espectador fica um pouco incerto do que a realizadora quer contar, nada daquilo que surge na tela aparenta ser significativo, ainda que a atmosfera entregue que algo não está muito certo com Calum, personagem de Paul Mescal. Logo, as camadas desse personagem e o propósito dessa história começam a se revelar para o espectador e Aftersun se transforma em um retrato muito crível sobre a depressão. Não importa o quanto aquele momento com a filha inspire condições positivas, Calum não consegue se divertir, aproveitar a vida com alguém que de fato ama. Ao mesmo tempo, do outro lado, temos a perspectiva da filha que não consegue melhorar o estado de saúde do pai e intuitivamente percebe que há algo de errado com ele, sofre bastante com isso, mas sabe ser muito empática com a situação. Na síntese dessa relação, há um amor que, infelizmente, não é o suficiente para evitar que esse elo seja abrupta e traumaticamente rompido no futuro. 


Estreando em longas, Charlotte Wells tem uma direção exemplar em Aftersun, emotiva, mas íntima, não fazendo escarcéu com as dores dos seus personagens. Esse tato com o seu roteiro se reflete na direção dos seus atores, Paul Mescal é cirúrgico com as dores de Calum, na maioria das vezes, pouco expostas, e a Frankie Corio é um sopro de luz na tela. É surpreendente notar como Wells conseguiu um resultado tão sublime em uma estreia. Aftersun é cuidadoso e maduro no manejo da técnica cinematográfica e, ao mesmo tempo, é uma experiência audiovisual emocionalmente engajante, cheia de humanidade, completa, intensa. Como é revigorante ver uma realização com esse nível de comprometimento com o cinema e com as emoções que uma narrativa audiovisual podem provocar. 


Avaliação


Título original: Aftersun
Ano: 2022
Duração: 102 minutos
Nos cinemas
Direção: Charlotte Wells 
Roteiro: Charlotte Wells
Elenco: Paul Mescal, Frankie Corio, Celia Rowlson-Hall, Sally Messham, Spike Fearn, Brooklyn Tolson, Harry Perdios, Ruby Thompson.  

Assista ao trailer:






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Chovendo Sapos: Crítica: Aftersun
Crítica: Aftersun
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