Em Paloma, Marcelo Gomes traça a jornada de uma mulher transgênero que sonha se casar de véu e grinalda.
A protagonista de Paloma nutre um grande sonho desde que passou a viver "amigada", como ela mesma diz, com José: se casar na igreja de véu e grinalda com as bençãos de um padre. Isso está presente desde os primeiros minutos de Paloma, quando ela confessa a uma cliente do salão suas aspirações pessoais ou quando brinca de boneca com a filha.
Dirigido por Marcelo Gomes, destacado cineasta pernambucano de filmes como Era uma vez eu, Verônica e Cinema, Aspirinas e Urubu, Paloma é um longa que provoca várias instituições brasileiras através da situação que traça para sua personagem principal. Entre elas estão os dogmas da Igreja Católica e a família tradicional cristã heteronormativa, alguns dos pilares mais defendidos por parcela da população em tempos de uma extrema direita que usa intensamente a religião como pretexto para a segregação social.
A personagem que dá título à Paloma é empenhada na sustentação do seu papel de esposa e mãe cristã. Ela trabalha como cabelereira e como agricultora, cuida da casa, da filha que teve em um primeiro relacionamento, do futuro marido, cumpre com todas as suas obrigações religiosas... E ela não faz nada disso como obrigação, mas porque ela genuinamente gosta dessa vida. Paloma é o exemplo de uma mãe de família. A barreira que impede a protagonista de sacramentar esse sonho da família de comercial de margarina é o fato dela ser uma mulher trans.
Ao mesmo tempo em que Marcelo Gomes desestabiliza a ideia preconceituosa de que somente mulheres cis podem ser relacionadas com o tipo de vida que Paloma constrói para si, o cineasta também escancara as barreiras sociais que diluem as oportunidades para uma pessoa trans no Brasil. Por mais que a protagonista se esforce para convencer a Igreja Católica a realizar seu casamento como manda o protocolo, escrevendo até mesmo uma carta para o papa, fica reiteradamente evidente na trajetória da personagem que o que a impede de realizar o seu sonho é a transfobia da sociedade.
Até mesmo o ideal da família perfeita de Paloma é desestabilizado pelo filme na medida em que o desfecho da história rui o castelo de princesa da protagonista. A personagem principal lida com frustrações em torno da postura do seu companheiro quando a união dos dois ganha manchetes no noticiário nacional. Como outras mulheres, Paloma também é iludida por um ideal de vida matrimonial perfeita, sustentado pela mídia e pela fé, e, no seu caso específico, sabotado pelas mesmas instituições que incutiram esse sonho no seu imaginário.
As camadas que Marcelo Gomes injeta em Paloma tornam o filme complexo na abordagem dos seus diversos temas, entre eles, a própria representação de pessoas trans nas telas. Basta perceber como o realizador desenvolve a expressão da sexualidade de sua protagonista, sempre quebrando com o estigma de que uma mulher trans ocupa um lugar passivo no ato sexual, por exemplo, ou mesmo não escondendo a nudez da sua protagonista não operada. Tudo isso sublinha que o que torna Paloma uma mulher não são os estereótipos fincados por uma heteronormatividade para as identidades masculinas e femininas, mas sim a forma como uma pessoa trans se reconhece no mundo e isso fica claro nos primeiros instantes do filme, a personagem principal é uma mulher.
O filme ganha bastante com a condução do diretor, que tem um olhar humano para a realidade da protagonista, construindo a personagem como uma mulher genuinamente boa, digna, mas repleta de contradições, como qualquer ser humano - e são justamente esses escorregões que aproximam tanto Paloma da realidade de outras mulheres cis (ela chega a cometer adultério e se sentir culpada por isso, quando esse fato em sua trajetória não anula em nada os seus sonhos de casamento). Além disso, Gomes conta com o desempenho formidável de Kika Sena, que consegue conferir todas essas nuances para a personagem, uma mulher que deseja se encaixar em padrões comportamentais, mas não se conforma com uma postura submissa a partir do momento em que questiona as orientações da igreja e luta por alguma mudança.
Em Paloma, Marcelo Gomes reflete sobre algo próximo daquilo que Sebastián Lelio pensava em Uma Mulher Fantástica. Paloma é um filme que traz uma personagem na luta pelo respeito a sua identidade, sua dignidade e seus sonhor. Temos uma protagonista que até o último segundo do longa resiste à marginalidade social que a transfobia lhe relega.
Avaliação
Título original:Paloma
Ano: 2022
Duração: 104minutos
Nos cinemas
Direção: Marcelo Gomes
Roteiro: Marcelo Gomes
Elenco: Kika Sena, Ridson Reis, Samya De Lavor, Suzy Lopes, Nash Laila, Ana Maria Marinho, Buda Lira, Wescla Vasconcellos.
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