Crítica: Não se preocupe, querida


Segredos de alcova

Hype e fofocas de bastidor ofuscam o que realmente importa em Não se preocupe, querida 


A trajetória de Não se preocupe, querida na mídia foi marcada por toda sorte de trivia e fofoca de bastidor que se sobrepuseram ao próprio filme. A segunda incursão de Olivia Wilde em longas de ficção (a primeira foi o interessante Fora de Série) ficou conhecida, a princípio, como o grande momento do popstar Harry Styles como protagonista de uma obra cinematográfica (ele já havia atuado com participações pontuais em Dunkirk e Eternos). Depois, o relacionamento de Wilde e Styles, que saiu dos bastidores e foi oficializado, assumiu as manchetes. Quando o trailer foi lançado, o hype girou em torno das cenas de sexo dos protagonistas (e depois de assistir ao filme, o alvoroço causado por esses momentos no trailer fazem menos sentido ainda, as cenas não são nada demais). Quando estreou no Festival de Veneza no início do mês, as manchetes ficaram por conta dos supostos atritos velados entre Florence e a diretora e Harry Styles e Chris Pine - e cada movimento dos artistas no red carpet do evento gerou um número infindável de especulações. 

Sempre se falou de qualquer outra coisa, menos do filme. Infelizmente, dá para entender. O longa teve muito hype e oferece bem pouco para o espectador. O filme não chega a ser um desastre, mas tem diversas faltas ao longo da narrativa, a primeira delas, soar derivativo demais sem sequer creditar as ideias originárias da produção, um romance escrito pelo autor de O Bebê de Rosemary na década de 1970. 

A semelhança de toda a trama do filme com As Esposas de Stepford, romance de Ira Levin adaptado (ao menos, oficialmente) duas vezes para as telas, em 1975 e 2004, é sensível. No longa, Florence Pugh vive uma dona de casa dos anos 1950 que começa a perceber com estranhamento o comportamento dos homens e, sobretudo, das mulheres de sua vizinhança. Logo a personagem chega a Frank, papel de Chris Pine, um sujeito que captura todas as atenções daquelas pessoas para si, exercendo uma espécie de liderança e papel-modelo de "homem de família" e grande empreendedor. SPOILER!!!!!! Como acontece em As Esposas de Stepford, com alterações tolas aqui e ali, a protagonista se descobre vítima de um grande experimento científico idealizado por homens para inibir a autonomia de suas esposas e mantê-las presas em uma sociedade falsamente blindada de problemas.

Mesmo sem creditar, o roteiro de Katie Silberman, Carey Van Dyke e Shane Van Dyke soa se apoiar não apenas na premissa de Levin, mas em toda a jornada da sua protagonista por esse universo de mulheres que se comportam de um jeito excessivamente submisso. Diferente das adaptações anteriores, uma soturna como a obra literária e como esse filme da Olivia Wilde e outra pendendo mais para a comédia, contudo, Não se preocupe, querida "cozinha" excessivamente o espectador. No início, Wilde parece entorpecida pelas aspirações simbólicas da sua história, mergulhando sua personagem em uma série de delírios e situações desconexas. Podemos até dar um "desconto" porque essa chave de condução da história soa coerente na medida em que este parece ser o fluxo de consciência de uma personagem que começa a despertar para a sua própria realidade forjada. No entanto, para o espectador funciona parcialmente na medida em que faz o filme se apoiar em uma preparação de eventos que demoram para dar às caras, tornando a obra excessivamente enfadonha.



Sem dúvidas, o destaque da produção é Florence Pugh. A atriz que já deu provas do seu talento em longas como Lady Macbeth, Midsommar e Adoráveis Mulheres passa a credibilidade da angústia da sua personagem naquele contexto artificialmente glamourizado e asséptico quando nem mesmo o filme cria uma atmosfera organicamente sufocante e enervante para a personagem. Os melhores momentos da atriz estão no final da obra, sobretudo uma cena na qual o depoimento da sua protagonista é descredibilizado pelo personagem de Chris Pine em um jantar. Quando Não se preocupe, querida consegue ganhar a atenção do espectador é graças ao desempenho de Florence Pugh e a voracidade com a qual ela aproveita cada momento da sua personagem na tela.  

Não se preocupe, querida não chega a ser ruim, mas é derivativo. Sua crítica social é pungente, mas não dá para dizer que é original, sobretudo pela forma como a trama é costurada. Não assumir isso e preocupante. E temos um cenário bem distinto de Corra! de Jordan Peele, que se apropria da premissa de As Esposas de Stepford para abordar o racismo na sociedade estadunidense, mas o cineasta sempre deixou isso muito explícito e fez as alterações necessárias. Para além desse tópico, é um trabalho de direção bem aquém do projeto anterior da Wilde, muito mais direto e sem frufrus hollywoodianos, algo que esse aqui tem de sobra. 


Avaliação


Título original: Don't worry Darling
Ano: 2022
Duração: 122 minutos
Nos cinemas
Direção: Olivia Wilde
Roteiro: Katie Silberman, Carey Van Dyke e Shane Van Dyke
Elenco: Florence Pugh, Harry Styles, Chris Pine, Olivia Wilde, Gemma Chan, Kiki Layne, Nick Kroll, Kate Berlant, Douglas Smith, Kaleigh Krause.

Assista ao trailer:

 


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Chovendo Sapos: Crítica: Não se preocupe, querida
Crítica: Não se preocupe, querida
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