Coisa de gente grande
Parte considerável do mérito do diretor Scott Derrickson em O Telefone Preto deve ser creditado ao seu ótimo elenco infantil.
No horror, o diretor e roteirista Scott Derrickson coleciona alguns fãs por seu trabalho em filmes como O Exorcismo de Emily Rose (2005) e A Entidade (2012), uma fama que lhe valeu o convite da Marvel para dirigir Doutor Estranho (2016) e aplicar alguns elementos do gênero na história protagonizada pelo herói psicodélico interpretado por Benedict Cumberbatch. Particularmente, acho a fama em cima do cineasta um pouco exagerada, algo que se potencializou depois da incursão na Marvel, mas deixamos nossas desconfianças de lado e assistimos O Telefone Preto, seu mais recente filme, sem preconceitos, certo?
Infelizmente, o filme repete algumas más impressões de suas obras anteriores, Derrickson continua oferecendo muito pouco se pensarmos na sua fama, com uma direção cansativa, pálida e de pouca energia. No entanto, aqui, ele tem um grande trunfo para driblar esse esquema, a escalação das crianças que protagonizam essa história.
O Telefone Preto é baseado em um conto de Joe Hill e narra a história de uma série de crianças sequestradas e mortas por um assassino serial mascarado interpretado por Ethan Hawke. O garoto Finney é uma das recentes vítimas do criminoso e passa a ter contato com as crianças assassinadas por ele através de um telefone preto alojado no seu cativeiro. A partir de algumas orientações dadas pelas vítimas anteriores do assassino, Finney começa a traçar algumas estratégias para sair do local com vida.
Sobre o elenco infantil de O Telefone Preto, não há uma só presença descartável em todo o longa, todos demonstram uma maturidade impressionante na construção de suas personagens e na oferta de nuances para cada uma delas. O protagonista Mason Thames oscila momentos de medo com movimentos de heroísmo com muita naturalidade, ao passo que Madeleine McGraw tem, provavelmente, o melhor desempenho de todo o filme na pele da carismática Gwen, irmã de Finney que tem algumas visões em seus sonhos. Ambos são vítimas de um pai violento e encontram um no outro o suporte para passar pelos percalços da infância. Esta relação é o foco do filme e é muito bem sustentada pelo desempenho desses jovens atores, seja quando eles compartilham uma cena, seja nos momentos em que estão separados.
Também temos que destacar a presença de Miguel Cazarez Mora, o amigo latino do protagonista que cria mecanismos eficientes para driblar o bullying na escola. Todos estão tão bem que não deixam espaço nem mesmo para o veterano Ethan Hawke encarnando um tipo que normalmente atrai destaque para qualquer intérprete, um maníaco assassino de crianças. Hawke não está mal, mas é visivelmente ofuscado por seus colegas menos experientes na tela. É uma escolha até interessante de Derrickson deixar esse vilão em segundo plano, não oferecer qualquer vestígio de humanização ou de simpatia do público por ele (o clássico vilão carismático) para concentrar seus esforços na personalidade dos seus protagonistas mais jovens.
No entanto, ainda que considere O Telefone Preto o melhor filme da carreira de Derrickson até aqui, o longa, como era de se esperar na trajetória do cineasta, apresenta uma certa falta de ritmo. O filme tem ótimos momentos e garante a atenção do espectador sobretudo quando gradualmente apresenta seu elenco infantil, intercalando esses momentos com as investidas do serial killer de Hawke. Quando o garoto Finney é sequestrado pelo vilão do longa, a história demora para recobrar algum ritmo, sendo um pouco monótono acompanhar as investidas do menino para sair do cativeiro, uma ação extremamente cíclica na história. Ele tenta fugir e é brecado pelo vilão.
Em todo caso, é sensível como em O Telefone Preto, Derrickson consegue ganhar bastante quando reduz o escopo da sua história, fazendo do longa a jornada dos irmãos Finney e Gwen. Portanto, temos um filme que, no saldo, sai melhor do que o resultado regular da carreira do diretor, mas que ainda está longe de justificar tamanho frenesi em torno do seu nome.
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