Crítica: Espero que esta te encontre e que estejas bem

 

Matéria da memória

Em documentário, cineasta resgata cartas antigas, sublinha a importância do passado e conta a história de um casal apaixonado. 

Ao visitar uma feira de antiguidades, a cineasta Natara Ney encontra um lote de cartas que contava a história de um casal apaixonado. É então que ela parte em uma jornada rumo ao encontro dessas duas personagens. As pistas do paradeiro delas estão no conteúdo das cartas que narram saudades, idas e vindas. Espero que esta te encontre e que estejas bem, referência a redação das cartas do casal principal, é uma busca de Natara Ney pelos protagonistas do seu filme, mas também aborda a importância do passado na construção da nossa identidade, ampliando o escopo da interpretação do longa para a experiência social, ainda que ele se interesse mais pelas histórias particulares que preenchem a tela.  

Ao percorrer lugares do Campo Grande ao Rio de Janeiro, Ney aborda tópicos interessantes em seu documentário, como o caráter material da memória e uma preocupação com as gerações futuras cujo registro do passado se perde em uma tentativa vã de capturá-la pelo digital. Assim, a memória é sublinhada não como um registro mental, mas como algo de importância física, acessada em fragmentos por objetos, imagens, documentos e textos, uma ideia que será comprovada no desfecho do filme quando a diretora se depara com a condição de uma personagem muito importante para sua narrativa. Através das cartas dos seus protagonistas, Ney também fala sobre a importância da poesia no nosso cotidiano, na manutenção da nossa humanidade e como esses objetos cheios de narrativas humanas representavam esse propósito. 

A busca pelos autores das cartas do lote faz Ney encontrar uma série de personagens ao longo do caminho. Essas outras figuras que permeiam o documentário, tem seus próprios gatilhos acionados pelos relatos poéticos contidos nas cartas. As diversas camadas da narrativa autorreflexiva de Ney, que flerta abertamente com o filme-ensaio, faz de Espero que esta te encontre e que estejas bem um longa que tende pela dispersão até encontrar os objetivos pretendidos pela cineasta desde o princípio. O emaranhado de figuras e histórias que se mostram relevantes para além do romance do casal principal faz o documentário perder um pouco o envolvimento do público com algum liame narrativo. Além disso, nem sempre o texto que não está nas cartas e que é narrado pela diretora é tão inspirado assim. 

Com todas as questões apontadas, no entanto, Espero que esta te encontre e que estejas bem tem uma honestidade  e valor em suas inquietações e nas reflexões que a diretora faz sobre o seu próprio processo de pesquisa e o que ela encontra ao final dessa jornada. A empatia com a história dos outros e esta compreensão da materialidade da memória são dois pontos centrais que conduzem as narrativas presentes no documentário de Ney.  

Avaliação

Título original: Espero que esta te encontre e que estejas bem

Ano: 2022

Duração: 84 minutos

Nos cinemas

Direção: Natara Ney

Documentário