A protagonista interpretada com fúria pela novata Agathe Rousselle não tem afeto por ninguém ou por nada, nem mesmo pelo automóvel com o qual mantém uma relação sexual (!!!!). Tudo na personagem é puro instinto. Alexia age conforme a convocação dos seus desejos. A violência, inclusive, é expressão habitual da personagem, que acaba se transformando em uma notória serial killer. Rousselle transforma a personagem literalmente em uma máquina, com gestos precisos e automáticos, apresentando para o espectador um trabalho de uma fisicalidade que impressiona, mas logo descobrimos outra faceta dessa protagonista.
É no instante que Alexia passa a ser procurada pela polícia que Titane aciona uma mudança de chave na sua própria história. O objetivo de Ducournau com uma protagonista tão instintiva e ausente de qualquer traço de afeto é re-humanizá-la na medida em que ela cria intimidade com o solitário bombeiro interpretado por Vincent Lindon, uma figura que surge na história para dar abrigo a Alexia. Lindon vive um homem que se vicia em drogas para amortecer a dor de não saber o paradeiro do próprio filho e que, desesperadamente, se apega a qualquer ilusão de reencontrá-lo. É através do laço que Alexia estabelece com esse personagem em um momento de extrema vulnerabilidade que vemos uma outra faceta da protagonista, outrora tão implacável, imbatível e feroz.
Titane não é das experiências mais fáceis para o espectador. Ducornau faz questão que toda a narrativa seja uma experiência fisicamente angustiante não só para os personagens como para o público. Alexia comete agressões contra si e contra os outros personagens e em cada um desses atos a protagonista se transmuta fisicamente. Além disso, a cineasta torna o público parte desse processo ao afetar os nossos próprios sentidos através dos recursos que o audiovisual coloca a sua disposição. O público se contorce a cada pele rasgada ou golpe desferido pelo prendedor de cabelo da protagonista. Titane é quase uma experiência em 4D.
É um filme marcado por personagens que possuem uma comunicação áspera e que absorve esse tipo de expressão como linguagem. Toda a jornada dura que o espectador enfrenta para acompanhar a trajetória de Alexia é fundamental para que o final catártico preparado pela sua realizadora tenha algum tipo de efeito. É na economia de afetos ao longo da narrativa que Ducornau transforma Titane em uma jornada emocionalmente eficiente no seu desfecho. É um filme que provoca, que angustia e que tem na sua forma seu mais poderoso instrumento narrativo.
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