A dispersão da direção de Ramos se torna um problema sobretudo quando Medida Provisória dá sinais de forte originalidade (e o filme é repleto de momentos extremamente promissores do ponto de vista da linguagem). Quando o longa deveria explorar determinadas associações e signos, o projeto parece se contentar com a superficialidade de uma sugestão rápida. Isso acontece, por exemplo, quando não consegue tirar proveito das inspiradas sequências de fuga da personagem de Taís Araújo pela mata ou da resistência travada pelo jornalista de Seu Jorge contra um grupo de policiais. As associações entre presente e passado brasileiros estão lá, mas o longa banaliza esses momentos com seu excesso de cortes ou seus ininterruptos estímulos sonoros.
A abordagem do senso de pertencimento ao Brasil (e do que é ser brasileiro) também é um tema que escapa por entre os dedos do longa e que em dado momento é anunciado em alto e bom som pelo seu protagonista (Enoch) na sacada de um prédio. Isso seria nevrálgico para a compreensão dos sentimentos que arrebatam aqueles personagens diante de uma situação na qual se eles veem obrigados a sair do seu país porque um dado grupo social deturpa a história para fins retóricos e os decreta como pertencentes a outro lugar. Seria algo interessante até como crítica aos representantes do governo que, tal qual o cenário que nos encontramos, se arvoram no direito de se apropriar de nossos símbolos, alegando uma suposta proteção da nossa dignidade, para cometer um número sem fim de atos desumanos (seria isso ser brasileiro, agir como brasileiro, o filme poderia problematizar).
O maior equívoco do longa, entretanto, é o de não conseguir dimensionar o estado de horror que se instaura de fato na vida dos seus protagonistas quando eles vão gradualmente sendo encurralados pelo governo brasileiro e pela funcionária interpretada por Adriana Esteves. Qualquer atmosfera opressora é diluída no longa por frases de efeito, pelo senso de humor voluntário ou involuntário de alguns personagens e por uma condução que evita qualquer tom mais grave ou enérgico.
O roteiro de Medida Provisória também é um dos percalços do filme já que, como antecipamos, é repleto de diálogos que soam artificiais ou clichês quando saem do papel e vão para a boca dos seus atores. Isso se reflete no desempenho da maioria deles. A escolha de Alfred Enoch para viver o protagonista de Medida Provisória é um pouco incomoda, visto a falta de traquejo evidente do ator com o português. Ao mesmo tempo, atrizes que costumam sempre estar acima da média, como Adriana Esteves, Renata Sorrah e Taís Araújo surgem um pouco over. Se de um lado, Esteves e Sorrah vivem avatares unidimensionais de bolsominions, Araújo tem algumas nuances da sua personagem sabotadas pela própria história. Por sua vez, Seu Jorge oscila entre bons momentos e outros nos quais o seu personagem acaba se transformando em uma espécie de alívio cômico da história.
É uma pena que uma ideia tão inspirada quanto a de Medida Provisória renda um filme tão aquém das suas possibilidades, sobretudo por ter nos créditos um artista como Lázaro Ramos, que já deu muitas provas da sua sensibilidade e efervescência criativa. É passível de lamentar sobretudo porque estão em curso temas que são tão caros ao seu realizador e cuja abordagem seria tão pertinente para o Brasil no tempo que vivemos. É o caso de uma boa ideia e de um tema pertinente que não são articulados da melhor forma na obra. É essencial que o filme seja visto, reconhecido e se torne um sucesso popular, sobretudo no momento social que vivemos, que inclui o completo abandono das nossas artes, mas, infelizmente, o longa falta em diversas frentes com o público e com a sua própria história.
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