Morbius é a segunda tentativa da Sony de emplacar uma aventura solo de um vilão do Homem-Aranha. Apesar das péssimas críticas, Venom teve algum sucesso comercial e o estúdio resolveu seguir apostando no nicho. O personagem-título em questão é um cientista que tem um experimento para salvar a si e outras pessoas que igualmente sofrem de uma rara doença sanguínea. O teste envolve o uso de uma espécie rara de morcego e o Dr. Morbius se oferece como cobaia para o experimento. Os resultados, claro, não saem como o esperado e ele se transforma em um poderoso e perigoso vampiro sedento por sangue humano.
A ideia de fazer um filme sobre um personagem como Morbius não soa ruim. Na essência, o que a premissa do longa oferece é uma história clássica de vampiro, uma mitologia que sempre é visitada nas telas das mais diferentes formas. Acontece que, no lugar de flertar abertamente com o gênero horror, algo que, inclusive, preservaria os traços vilanescos do personagem, ou mesmo que acenasse para um romance gótico à la Bram Stoker, Morbius mira no equívoco de transformar a jornada do vilão da Marvel em um tradicional filme de super-herói.
Com a presença de um vilão caricato vivido por Matt Smith (conhecido do público pelas séries Doctor Who e The Crown), o personagem de Jared Leto se transforma em um super-herói protocolar que salva o dia e a namorada das garras de uma criatura tresloucada. Quando transformado em vampiro, o Dr. Morbius contém o tempo inteiro os seus instintos de predador e combate uma ameaça que na verdade é uma versão de si sem maiores pudores para dilacerar as suas vítimas.
Morbius não é um vilão, nem um anti-herói, ele é um autêntico herói de filme de super-herói, o mais genérico que podemos imaginar. Não existe esforço algum do longa em construir uma maior complexidade em torno da psicologia ou propósitos da jornada desse personagem, tudo em Morbius gira em torno de obedecer da maneira mais rasa e sem criatividade a fórmula da história de origem: Morbius ganha super-poderes, um vilão ganha super-poderes, o vilão ameaça a humanidade e o interesse amoroso do protagonista e, no fim, Dr. Morbius salva o dia. Com nada novo sob o sol, Morbius se apresenta como um blockbuster sem carisma que não aproveita sequer a verve sombria de um diretor como Daniel Espinosa (do sci-fi Vida), pasteurizando tudo em prol de um entretenimento completamente esquecível.
Como antecipamos, o longa peca sobretudo na construção dos seus personagens e das suas relações. O protagonista interpretado por Leto é praticamente uma "folha em branco" e, para além do seu debilitado estado de saúde, o público não consegue compreender o que ele aspira ou os traços mais significativos da sua personalidade. Assim, não dá para criar nenhum laço afetivo com Michael Morbius ou sua jornada. Ao mesmo tempo, esse sujeito se envolve em um romance insosso e que o longa sequer se dá ao trabalho de gradualmente construir, mas que lhe parece nevrálgico para compreender as motivações do protagonista no terceiro ato, e estabelece uma elo/rivalidade superficial com o personagem de Matt Smith. Há nas tensões mocinho vs. vilão um recalque fraterno que o longa não faz questão alguma de esmiuçar.
Com todas as birras que o público possa ter com Jared Leto após atuações questionáveis em filmes como Esquadrão Suicida e Casa Gucci, dessa vez, os problemas não estão com o ator, até porque ele tem muito pouco a fazer com um personagem tão pouco inspirador. O cadafalso de Morbius é mesmo esse apelo pueril que naufraga a maior parte dos filmes de produtores, longas pasteurizados que ambicionam o grande público e, no final das contas, parecem não compreender que o que move fórmulas de sucesso comercial como o projeto Avengers da Marvel Studios não é um modelo de história "heróis vs. mocinhos" ou um número razoável de efeitos visuais barulhentos.
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