Os dois elementos (a trama de detetive e os primeiros anos do herói em ação) são muito bem equilibrados pelo filme de Reeves, que confirma características que já sentíamos na sua direção em Planeta dos Macacos: O Confronto e Planeta dos Macacos: A Guerra. O cineasta sabe como poucos oferecer um blockbuster que se afirma como obra escapista sabendo ainda estar um passo a frente dos seus similares em tópicos como construção de trama e personagens, desenvolvimento de temáticas urgentes e apuro estético. Cada plano de Batman é inspiradíssimo, com detalhes que preenchem cada quadro com muita riqueza de informação. A trilha sonora de Michael Giacchino é um primor, inspirando-se nos temas dos antecessores Danny Elfman (era Burton) e Hans Zimmer (era Nolan e era Snyder), mas também procurando firmar-se por acordes próprios que destacam características dos personagens e da história. Além disso, o roteiro de Matt Reeves e Peter Craig entrega uma intensa atmosfera de instabilidade nos acontecimentos que mantém o fôlego da sua história por três horas de duração.
Batman também se beneficia da presença de um bom elenco na tela. Robert Pattinson convence como Batman, adaptando características notórias do personagem ao seu jeito. Pattinson frisa o "jeitão" mentalmente perturbado do herói, transformando o ícone da DC Comics em um jovem esquisitão, com péssimo traquejo social e uma obsessão pelo seu projeto de vingança contra os vilões de Gotham que o faz flertar com traços sombrios de sua natureza. Ao mesmo tempo, o personagem mantém uma retidão do seu código de conduta e uma empatia que inspiram admiração nos demais personagens e também no público. Sem dúvida, Pattinson é o grande destaque do longa, encontrando uma forma de reverenciar as características canônicas do personagem com um toque extremamente original até então não sentido nas outras encarnações do personagem. Ao lado do Batman, o especta mas também está bem servindo com as presenças notáveis de Zoe Kravitz como Selina Kyle/ Mulher Gato, Jeffrey Wright como Gordon, Andy Serkis como Alfred, Colin Farrell como o Pinguim e um ótimo John Turturro como Falcone. O elo mais duvidoso desse elenco talvez seja o Charada de Paul Dano, cuja composição me soa como uma versão derivativa do Coringa anárquico de Heath Ledger em Batman: O Cavaleiro das Trevas, mas, perdoa-se.
Como citamos a trilogia de Nolan, não poderíamos deixar de mencionar que talvez um dos pontos fracos desta nova encarnação do Batman seja o "pézinho" realista que mantém naquilo que os filmes protagonizados por Christian Bale estabeleceram. Como nos filmes do Nolan, Batman parece abraçar com certa timidez as suas origens no universo fantástico dos quadrinhos. Por mais que, de todos os personagens da DC, o Morcego seja o que mais flerte com uma abordagem mais "pé no chão", com histórias em meio à crueza da corrupção e violência urbana, todo o universo do Batman também é regido pelas "pirações" das HQs de super-heróis.
Como nos filmes do Nolan, a exceção do protagonista, os demais personagens do Batman de Reeves são localizados no meio termo entre suas origens nas HQs e aquilo que se pretende como uma versão adaptável à nossa realidade. Assim, por exemplo, a Mulher Gato ainda não veste o seu uniforme nem se autodenomina enquanto tal, o Charada substitui seu terno verde por uma roupa soturna e o Pinguim tampouco usa suas tradicionais cartola, óculos e o guarda-chuva. Tais decisões não fazem avançar a própria trajetória do personagem nos cinemas que, a uma altura dessas do campeonato, já deveria ter abraçado sem pudor o teor lúdico do material. A encarnação do herói que mais soube equilibrar essas peculiaridades do universo de Batman foi a extinta série animada de Bruce Timm no início dos anos 90. Talvez, o "salto" que Batman de Matt Reeves precisasse dar em comparação com as demais versões cinematográficas é ser mais Bruce Timm e menos Christopher Nolan.
É preciso sublinhar, de maneira geral, Matt Reeves faz muito pelo personagem, criando para ele uma jornada ambiciosa que cumpre com suas aspirações, apresentando-o com familiaridade, mas também procurando alguma distinção nessa construção. Há muito que ser lapidado nessa nova empreitada do Homem Morcego nas telonas, um distanciamento do legado de Nolan seria urgente para a continuação, por exemplo. O grande acerto de Batman é que ele cumpre a promessa de explorar como nenhum dos seus antecessores a faceta investigativa do personagem, mantendo o público interessado ao longo de suas três horas de duração. É um filme que faz justiça à tela grande.
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