Em 2011, Mark Cousins escreveu e dirigiu a série ensaística A História do Cinema: Uma Odisseia, um trabalho que ficou mundialmente conhecido. Nela, Cousins narra todo o percurso do cinema até ser o que ele é hoje através da sua marcante narração e de uma montagem que misturava cenas de filmes, depoimentos de artistas conhecidos e registros pessoais do cineasta por algumas paisagens. Um dos traços mais marcantes de A História do Cinema é como Cousins consegue entrelaçar a história do cinema mundial com suas experiências como espectador, na verdade, relatando a primeira através de uma exposição confessional da segunda.
A História do Olhar segue a assinatura de Cousins na cultuada série. No entanto, fica latente desde o primeiro registro, Cousins entre as cobertas da sua cama assistindo a um depoimento de Ray Charles em um programa de TV antigo pelo YouTube, que A História do Olhar tem o diretor como personagem principal. Cousins assiste ao depoimento do músico sobre a visão e aquilo lhe toca de maneira singular porque no dia seguinte o diretor se submeterá a um procedimento cirúrgico para tratar uma catarata recém descoberta.
Assim, com todos os temores de perder a visão, Cousins tece um relato que mescla divagações pessoais com pesquisa a fontes históricas a fim de nos contar a importância que o olhar tem na sua formação como sujeito e como ela justifica sua paixão pelos filmes. Em A História do Olhar, Cousins oscila entre o universal e o particular. É um filme-ensaio que narra um episódio da vida do diretor, mas que também é bastante familiar ao espectador na medida em que acessa nossas mais elementares vivências com o sentido da visão.
Aqui, Cousins aplica mais uma vez sua mistura de registros de paisagens e cenas de filmes. A memória cinéfila de Cousins ativada por alguns insights dos seus monólogos para a câmera nos faz entender porque as imagens dos filmes nos são tão fascinantes. Diante da possibilidade da perda da visão, o diretor presta atenção em expedientes imediatos do quadro, como a cor, a luz e os corpos que ocupam a tela. Além disso, é interessante como nenhuma escolha é aleatória e passa pela própria biografia do realizador: sua troca de e-mails com uma jovem daltônica o remete à aquisição de cores em O Mágico de Oz; a maneira distorcida como ele via seu próprio corpo na adolescência o remete ao fascínio pelo peitoral de Robert DeNiro em Taxi Driver; e a relação entre o semblante de Ingrid Bergman em Casablanca com aquele que ela exibe em uma cena de Sonata de Outono na maturidade o faz pensar como nossa vida pode ser contada através de uma história do olhar. Quanta experiência a atriz viveu para conseguir protagonizar aquele registro no filme de Ingmar Bergman.
A História do Olhar, como outros filmes de Mark Cousins, pode parecer um projeto de puro exercício de vaidade ou um relato hermético. É uma leitura apressada dos resultados obtidos pelo diretor. Sobretudo nesse filme que ele se expõe ainda mais como protagonista do relato. O que o diretor faz com seu filme-ensaio é apresentar uma gama de percepções sobre objetos diversos: o olho, o cinema, ele mesmo, a vida. A mistura de texto apurado e poético, narrado com atenção ao som de cada palavra (e ao encontro das mesmas) com as imagens que o diretor produz do banal até aquelas que ele resgata de uma recepção mítica do cinema é criativa, filosófica.
Avaliação:
Ano: 2021
Filme de abertura do 27º É Tudo Verdade
Saiba como assistir acesse o link
Direção: Mark Cousins
Roteiro: Mark Cousins
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