Com sua premissa, o longa equilibra de maneira interessante uma crescente de complicadores para a protagonista. Três núcleos dramáticos são desenvolvidos paralelamente: a própria Ruth tentando dar algum tipo de normalidade na sua rotina enquanto ainda tem vínculos difíceis de desamarrar com o passado; a nova família da irmã mais nova da protagonista; os filhos do policial assassinado pela personagem de Bullock; e a família do advogado que é procurado pela ex-detenta. Durante boa parte de Imperdoável, a diretora Nora Fingscheidt constrói os dilemas desses núcleos em torno do retorno da personagem de Bullock com uma tensão crescente, ficando evidente que em algum momento seus interesses vão colidir.
Imperdoável também é um ótima oportunidade para Sandra Bullock brilhar como atriz. Na pele da protagonista desse drama, a vencedora do Oscar por Um Sonho Possível sustenta uma personagem densa, sempre com semblante carregado de quem está fadada a conviver com os fantasmas do seu passado para o resto da vida. Bullock constrói de maneira sensível a natureza desconfiada dessa personagem. Em cena, a atriz surge sempre alerta para qualquer possível hostilidade. É uma presença "carregada" em cena, Ruth não encontra mais espaço para a leveza na vida. Sendo uma figura conhecida pelo seu bom humor por papéis que desempenhou em outros filmes e pela sua persona em Hollywood, Bullock pega o espectador desprevenido com sua composição. Ela está simplesmente brilhante em Imperdoável.
Por conta de todos os fatores apontados até aqui que é frustrante perceber como o filme se sabota por completo pelas decisões trôpegas do seu roteiro. Durante parte da história, Imperdoável mantém um certo suspense sobre as circunstâncias em que ocorreram o crime cometido pela protagonista. Quando tudo é revelado, a história praticamente descarta todo o bom investimento da sua diretora e da sua atriz principal.
A SEGUIR, SPOILERS DA TRAMA! NÃO LEIA SE NÃO QUISEREM SABER SEU DESFECHO.
Quando Imperdoável tira das costas da protagonista a responsabilidade pela autoria do crime, torna toda a construção da personagem menos interessante. Apelando para um gesto de altruísmo ou heroísmo de Ruth Slater, Imperdoável tira de Sandra Bullock aspectos da personagem que só a transformariam numa protagonista menos óbvia, mais densa psicologicamente por ser contraditória (alguém que cometeu um crime e que testa o tempo inteiro a própria empatia do público por sua jornada). No lugar disso, o roteiro do longa opta pelo mais fácil, por transformar Ruth Slater em uma típica heroína hollywoodiana que abdica da própria liberdade para dar a sua irmã mais nova, a verdadeira autora do crime, o direito a uma vida normal. Por mais tocante que a decisão dos roteiristas possa soar, no fim das contas, é uma decisão dramática apelativa que foge por completo do interessante jogo de perspectivas e de julgamentos sobre a protagonista que o filme construía tão bem até os seus últimos trinta minutos.
A solução frouxa que Imperdoável encontra para sua história e para a construção da sua personagem faz do longa uma obra estranha. O final da história não condiz com boa parte do trabalho dos seus envolvidos. É claro que ao longo do seu desenvolvimento, o filme toma outras decisões ruins, como desperdiçar por completo a presença de Viola Davis no elenco (afinal, o que uma atriz do porte de Viola Davis faz nesse filme?) ou abordar de maneira pouco delicada a adoção ao trazer os novos pais da irmã da personagem de Bullock como um obstáculo para a protagonista, mas nada é mais grotesco que o incompreensível recuo do roteiro do longa para um enlace tão aquém dos esforços dos seus envolvidos quanto o que esse drama apresenta.
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