No início de Sanguessugas: Uma Comédia Marxista sobre Vampiros, o diretor e roteirista Julian Radlmaier coloca um grupo de personagens em uma roda de conversa para uma leitura coletiva de O Capital de Karl Marx. No livro, Marx associa a exploração da classe trabalhadora pelas elites com a relação entre o vampiro e suas vítimas. Para ele, tal qual um vampiro que suga a força da sua presa, no capitalismo, as elites se alimentam do trabalhador para produzir a mais-valia.
Radlmaier utiliza a metáfora de Marx para construir uma história inusitada na qual um ator de cinema, cria de Sergei Eisenstein, vive uma relação com uma jovem da aristocracia que é uma vampira. Dividindo sua obra em três capítulos, cada um deles destinado a explorar a perspectiva de três dos seus personagens centrais, a moça, o seu empregado pessoal e o ator, Radlmaier faz uma perspicaz análise de humor ácido sobre engrenagens do capitalismo que se perpetuam por décadas e parecem nunca dar sinais de arrefecer, mas sim de renovar seus votos com os grupos de poder.
O cineasta embaralha signos de contemporaneidade e do passado em recursos como cenários, figurinos e na encenação para transmitir essa ideia de dinâmica social parasitária que as elites empreendem com a classe trabalhadora. A presença dos vampiros justifica ainda mais a ideia, são seres imortais que nos rondam por décadas. Temos uma história que se passa no passado, mas há elementos de uma contemporaneidade. Personagens que se portam e interagem como décadas atrás, anacrônicos, mas, ao mesmo tempo familiares.
A construção do realizador nos mostra como as relações de classe, tal como são pactuadas na história, seguem as mesmas. Não há grandes fissuras, mudanças radicais. Os vampiros do filme, no caso, a aristocracia, soa cafona, vazia e ultrapassada na sua forma de pensar e existir em um mundo que nos é materialmente familiar. Ao mesmo tempo, são figuras que são orgânicas naqueles ambientes, mesmo aparentemente não pertencendo a eles. É uma contradição que Sanguessugas tenciona de maneira bem interessante.
O filme encontra humor na ironia como Radlmaier dirige seus atores e pincela em suas falas sinais que conectam passado e presente, como o desprezo sutil ou não das elites pela classe operária, o uso das artes como status social e o oportunismo da aderência da aristocracia a qualquer proposta política, principalmente as facistas, contanto que elas garantam a manutenção das bases de exploração e a cisão entre as classes. Assim, Radlmaier faz um filme inteligente que desenvolve com muito fôlego uma trama pela quantidade de tópicos a serem explorados, levando suas personagens a lugares muito interessantes e o público a uma experiência divertida e reflexiva.
Cotação
Título original: Blutsauger
Ano: 2021
Integra a "Competição Novos Diretores" da 45ª Mostra de São Paulo
Disponível na Mostra Play
Direção: Julian Radlmaier
Roteiro: Julian Radlmaier
Elenco: Alexander Koberidze, Lilith Stangenberg, Alex Herbst, Corinna Harfouch, Andreas Döhler.
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