Todos os dias, a artista plástica Joana Galucci tem como compromisso cuidar da forma física do seu único filho, David. O adolescente que está saindo do colégio tem uma rotina de exercício rígida que desemboca em cuidados com sua alimentação e vida social regrada, algo sufocante para a maioria dos rapazes da sua idade. Em O Perfeito David, o cineasta Felipe Gomez Aparicio mergulha nessa relação entrecruzada entre expectativas de pais e filhos e a formação de uma personalidade na adolescência para, ao mesmo tempo, abordar questões relacionadas com o mundo do fisiculturismo e fazer uma versão própria de Frankenstein, clássico da literatura gótica de Mary Shelley.
No contexto narcísico que Joana envolve seu filho, David é uma criação da sua própria mãe, exposto publicamente por ela para avaliação anatômica. David faz parte de um ambicioso projeto profissional da artista que posteriormente teremos conhecimento. Joana é obcecada pela forma física do filho e se relaciona com o corpo dele como um objeto de trabalho, excluindo disso qualquer tratamento humanizador em sua interação com o rapaz. Chamado de "besta" pelo seu preparador físico, David não é um sujeito, mas um corpo e, tal qual as demais obras da artista plástica, é esculpido pela disciplina de Joana. A personagem alarga exaustivamente as metas do filho em busca de uma perfeição física.
A frieza praticamente sintética da relação que Joana estabelece com David se embaralha com lógicas operantes desse mundo de culto a forma física que o adolescente gradualmente assimila como seu. Isso também está refletido em O Perfeito David através de uma estética e de uma encenação que prioriza o distanciamento na representação das personagens e de suas relações. De forma coerente, O Perfeito David não é um filme caloroso, mas sombrio que só oferece algum lampejo de vitalidade e de frescor nos olhos do seu protagonista na sua cena final, justamente quando o personagem se aparta dessa lógica doentia imposta pela mãe e descobre sua vocação.
Como primeiro longa, Felipe Gomez Aparicio faz um um filme que se apropria com muita consistência e maturidade dos conceitos que quer imprimir na tela. O Perfeito David é um filme que, do ponto de vista plástico, apresenta para o espectador uma experiência estética singular. A vocação esteta da obra adere muito bem à narrativa que ela tece. Não é um longa que apresente as personagens mais carismáticas, o calor humano passa longe de O Perfeito David, mas essa possível frieza sentida pelo espectador na sua relação com essas figuras só demonstra como o realizador concebeu uma obra extremamente autoral que não joga para a plateia ou cede a caprichos industriais, mas sim a um projeto artístico muito bem executado.
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