A imagem que vemos de Björn Andrésen no começo de O Garoto mais bonito do Mundo contrasta com aquelas pelas quais ele ficou mundialmente conhecido no celebrado filme de Luchino Visconti de 1971, o drama Morte em Veneza. Aos 15 anos, Andrésen fez sua estreia no cinema como um belo garoto que em suas férias por Veneza chamava a atenção de um compositor moribundo interpretado por Dirk Bogarde. Como o anjo da morte que fascinava e atormentava o protagonista, Andrésen era uma aparição no filme de Visconti com suas roupas que inspiravam inocência nos cenários ensolarados da cidade italiana. No começo de O Garoto mais bonito do Mundo, o ator é introduzido para o público em um cenário soturno, vemos um homem com mais de 70 anos de idade, ostentando longos cabelos e barbas brancas e de semblante cansado, um prenúncio para os diretores Kristina Lindström e Kristian Petri mostrarem como a vida de Andrésen de Morte em Veneza para cá não foi um "mar de flores" como convém às ilusórias e gloriosas narrativas oficiais do showbusiness.
Na verdade, a história contada em O Garoto mais bonito do Mundo flerta com outro tipo de jornada comum às histórias de estrelas de cinema precoce: a queda vertiginosa rumo à decadência. Lindström e Petri mostram como a falta de uma sólida estrutura familiar fez com que Andrésen não conseguisse lidar muito bem com tudo aquilo que aconteceu depois de Morte em Veneza: o assédio da mídia internacional e os predadores sexuais fascinados pela beleza do rapaz. No começo de O Garoto mais bonito do Mundo, Andrésen está prestes a ser despejado do seu apartamento, contando com a ajuda da sua então namorada para sair de um estado de depressão que, mais uma vez, fez com que ele se isolasse do mundo e sequer tivesse forças para cuidar da limpeza da própria casa.
O filme alterna imagens de arquivo com o registro da rotina de Björn atualmente, o que inclui também alguns encontros proporcionados pela equipe do longa com figuras que marcaram sua vida, como o empresário que cuidou da sua carreira musical no Japão, sua filha mais velha e Riyoko Ikeda, artista de mangás e animes que se inspirou na sua imagem para compor a protagonista de Rosa de Versalhes, uma das suas obras mais celebradas. O longa tem uma estrutura instigante, gerando crescente interesse no espectador, ainda que demore um pouco para unir todas as pontas da história do protagonista em algum liame narrativo ou grande tema.
O Garoto mais bonito do Mundo ainda evita qualquer tipo de sensacionalismo em torno da biografia de Andrésen, mesmo em episódios mais pesados, como aquele no qual sabemos o que ocorreu com o filho mais novo do ator ou outro no qual ele relata sua passagem pela França em 1976 quando se tornou um acompanhante de luxo de alguns homens mais velhos. Os episódios mais graves dessa história são jogados na tela de forma seca e pontual, mas longe de qualquer distanciamento emocional ou falta de empatia dos realizadores. A postura dos documentaristas destaca no longa um esforço de não deixar de lado nenhum fato da triste história do seu protagonista, ao mesmo tempo em que poupa ele e o espectador de detalhes que fariam o documentário flertar com uma exploração barata do "mundo cão" que ele habitou precocemente em dado momento da sua vida.
O filme finaliza sua narrativa sobre a vida de Andrésen de maneira cortante através de uma leitura que o protagonista faz de uma carta deixada por sua mãe antes de desaparecer e ser encontrada morta em uma floresta. Assim, os cineastas mostram de forma tocante os paralelos entre suas história, apesar das suas trajetórias distintas. Percebemos então, almas despedaçadas, desencontradas pelas circunstâncias da vida, mas que teriam sido a tábua de salvação um do outro em momentos cruciais das suas respectivas jornadas. Ao mesmo tempo, como o próprio Björn deixa claro com a espantosa calma com a qual enfrenta os piores momentos da sua própria biografia, remoer eventos que não podem ser consertados é improdutivo, por mais que, da parte dos cineastas fique claro que um dos desejos do documentário é que histórias como as do seu protagonista não se repitam mais nos bastidores do cinema.
Com o desfecho que promove um encontro poético entre mãe e filho, mas também de Björn consigo mesmo na juventude, justamente com a justaposição de sua imagem mais velho na beira da praia com a cena na qual seu personagem em Morte em Veneza anuncia a despedida do protagonista do filme na tela, o documentário encerra esse inventário da vida do ator de maneira igualmente lúcida. No caso de Björn, infelizmente, não há como reparar as sequelas deixadas por uma infância negligenciada, há apenas que se procurar de alguma forma deixar esse histórico no lugar reservado a ele no passado. Ao contar sua história em O Garoto mais bonito do Mundo, Björn é submetido a uma grande "sessão de terapia" com o espectador como testemunha e vislumbra a oportunidade de viver em paz com sua biografia por mais episódios sombrios que ela possa conter.
Cotação
Título original: The Most Beautiful Boy in the World
Ano: 2021
Integra a "Perspectiva Internacional" da 45ª Mostra de São Paulo
Disponível na Mostra Play
Direção: Kristian Petri, Kristina Lindström
Documentário.
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