A trama de Seberg contra Todos é, ao mesmo tempo, uma história da atriz americana Jean Seberg, imortalizada na nouvelle vague por Acossado, de Jean-Luc Godard, e uma história de outros, o movimento pelos direitos civis nos EUA. O longa de Benedict Andrews (o mesmo de Una, com Rooney Mara) é uma biografia que conta parte da vida da atriz. Particularmente, a obra se concentra no período em que ela volta para os EUA para fazer um filme, conhece as ações do Partido dos Pantera Negra, apoia financeiramente algumas obras sociais do grupo, se envolve afetivamente com um dos seus líderes e passa a ser alvo de toda uma campanha de difamação do FBI de J. Edgar Hoover.
Seberg contra Todos quer mostrar os danos que as ações persecutórias do FBI legaram a Seberg, contribuindo com sua morte precoce aos 40 anos. Em virtude da sua passagem pelos EUA, Seberg adquiriu uma série de problemas de ordem psicológica que a levaram ao aborto e a ter graves crises pessoais. A atriz, como retrata o próprio longa, foi uma vítima desse sistema, claro, mas há um grupo cuja história é incomodamente abafada em prol desse fascínio do longa pela celebridade biografada e sua trágica trajetória.
Seberg contra Todos mostra como o envolvimento de Jean com os Pantera Negra foi, inicialmente, uma espécie de capricho e não deixa de frisar a todo instante que a atriz apoia uma causa por um capricho que instintiva e ingenuamente põe em prática por rebeldia. Seberg tinha traumas de Hollywood, a considerava frívola e nunca se sentiu muito bem no papel de estrela de cinema no qual insistentemente tentavam enquadrá-la, mesmo depois das suas escolhas profissionais, todas na contramão do ideal hollywoodiano. Nesse sentido, Seberg assume como sua uma causa que não lhe é própria e acaba sendo alvo do FBI. Hoover e companhia a usam para atingir o movimento dos Pantera Negra, mas no fim das contas a vítima do filme acaba sendo única e exclusivamente a atriz.
Mesmo que frise o tempo inteiro que as ações do FBI têm consequências para além da esfera pessoal da estrela de cinema biografada no drama, no fim das contas Seberg contra Todos se esquece de um contexto macro e absorve as lógicas dos tablóides que durante boa parte da trama critica. Ao fim, os Pantera Negra são deixados de lado e o trágico conto de Seberg assume o protagonismo com toda sorte de trivia desse tipo de material que acaba impressionando o público dada a singularidade da história da atriz. Até um agente do FBI cheio de remorso está presente na história para frisar o drama de Seberg.
As intenções da obra são boas, mas há um efeito colateral incomodo pelo apagamento de outros personagens, que ficam à sombra da protagonista. O desempenho de Kristen Stewart é bom, não tão bom quanto trabalhos como Acima das Nuvens ou Na Estrada, a atriz se empenha nas nuances da personagem ainda que o roteiro a sabote inúmeras vezes com construções vagas e romantizadas sobre Jean Seberg, algo que não contribui em momento algum para destacar as contradições de suas ações. É um longa cheio de ruídos no tratamento da sua história, do seu contexto e dos personagens de uma maneira geral.
Seberg, 2019. Dir.: Benedict Andrews. Roteiro: Anna Waterhouse e Joe Shrapnel. Elenco: Kristen Stewart, Jack O'Connell, Anthony Mackie, Yvan Attal, Vince Vaughn, Margaret Qualley, Colm Meaney, Stephen Root. Disponível no Google Play, Looke e Net Now, 102 min.
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