O atrólogo porto-riquenho Walter Mercado foi uma figura midiática que revolucionou a cultura pop mundial como poucos. Com visual andrógino formado por casacos esvoaçantes e firulas, joias ostensivas e cabelo laqueado, Mercado tinha uma imagem de identidade forte e ocupava o horário nobre da TV em todo mundo com a teatralidade com que proferia suas previsões sobre os signos do zodíaco.
Entre os anos de 1980 e 1990, Walter Mercado conquistou o mundo e ganhou fortunas em lugares nunca antes pensados para um porto-riquenho: Estados Unidos, Europa... Brasil. Por aqui, ele ficou bastante conhecido não apenas por suas incursões na TV aberta e produtos como livros e revistas, mas pelo seu serviço de aconselhamento e previsões astrológicas por telefone, quando isso se transformou em febre em outras áreas também. Nas chamadas, ele lançou o bordão por aqui, o "ligue djá", sendo muitas vezes reconhecido não por seu nome, mas por essa frase imperativa de efeito. E foi justamente nessa empreitada que ele conheceu sua dramática derrocada.
O documentário Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado narra justamente essa trajetória do vidente, falecido em 2019, elucidando o público não só sobre o caminho da sua ascensão, mas sobre as causas do seu desaparecimento repentino na proximidade dos anos 2000. Esses serviços de atendimento astrológico por telefone fizeram parte de um um duro golpe na carreira de Mercado, quando imprudentemente ele assinou um contrato com seu empresário cedendo para ele toda sua marca, incluindo seu nome e suas apresentações. Com isso, Walter não encontrou outra alternativa para sua carreira a não ser sair dos holofotes e nesse momento o vidente se deparou com graves problemas pessoais.
O documentário presente no catálogo da Netflix segue todos esses passos de Mercado acompanhando até seus últimos momentos, quando retornou ao público a partir de uma exposição sobre a sua carreira em um museu de Miami. Há pontos altos e exclusivos do filme como um encontro com Lin Manuel Miranda e uma aparição histórica nessa homenagem prestada pelo History Miami Museum na qual Walter sentiu novamente o prazer que era apresentar-se para seu público.
Ligue Djá tem como ponto forte o tom afetivo em torno da figura de Walter, entendendo-o como uma espécie de ente mitológico criado pelo próprio, um performer nato e muito talentoso. O filme também se destaca pela maneira humana com a qual se aproxima do seu grande protagonista, já em seus últimos momentos bastante debilitado por seus problemas de saúde.
O ponto de virada do filme, que no primeiro ato traça o caminho narrativo da ascensão de Walter, é mesmo o momento em que os problemas do artista com seu empresário vêm à tona. Nesse instante, o longa consegue sair um pouco do tom institucional e de celebração do legado de Mercado para investigar meandros de sua vida que até então era de conhecimento de poucos dado o seu desaparecimento tão repentino. Ao mesmo tempo, a exploração desse outro lado da biografia do vidente não soa aproveitadora. O filme consegue manter um equilíbrio entre esmiuçar os meandros de um personagem complexo e não soar invasivo e sensacionalista.
Ligue Djá é uma homenagem calorosa à figura de Mercado, um personagem extremamente rico e que rende bastante ao material. O filme mostra como Walter é representativo da quebra de vários tabus em sua tempo, e, no fim das contas, se transforma em uma celebração em tom nostálgico do próprio período do seu estrelato, já que fica evidente que ele é movido por esse sentimento de afeto ao seu protagonista e de como sua presença nos lares de muitos foi marcante, inclusive para os envolvidos na realização da obra.
Mucho Mucho Amor: The Legend of Walter Mercado, 2020. Dir.: Cristina Costantini e Kareem Tabsch. Documentário, disponível na Netflix, 96 min.
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