Não demoraria muito para que os primeiros projetos em diálogo com nossos tempos de pandemia fossem realizados e a Netflix junto com o cineasta chileno Pablo Larraín (de Jackie) saiu na frente e convocou um grupo de diretores para realizar curtas que abordam o cotidiano da quarentena com as limitações impostas às produções em razão do isolamento social. Assim, o que vemos em Feito em Casa são histórias de diversas partes do mundo realizadas com aparelhos como iphones, drones e câmeras caseiras, com equipes reduzidas compostas por cônjuges, amigos e filhos dos cineastas envolvidos e que simulam situações comuns ao nosso cotidiano atual como vídeo-conferências e mensagens de grupos de WhatsApp.
A antologia de curtas da Netflix se beneficia pela diversidade de perspectiva, são diretores e diretoras de diversas nacionalidades e com inclinações de estilo bastante particulares em suas respectivas trajetórias. Quando pegamos realizadores como o próprio Larraín, Paolo Sorrentino, Naomi Kawase, Antonio Campos, Maggie Gyllenhaal, Ladj Ly, Rachel Morrison, Nadine Labaki, Sebastian Lélio, Ana Lily Armirpour, Kristen Stewart e outros conseguimos compor um mosaico de artistas capazes de irem para diversos caminhos e assim eles o fazem. Alguns curtas reiteram temas, como a perspectiva das crianças para o confinamento, é o caso dos filmes de Rachel Morrison, Nadine Labaki e Khaled Mouzanar, David Mackenzie e Natalia Beristain. Outros vão para caminhos diversos.
Há curtas que trazem os próprios realizadores como fio condutores das suas próprias narrativas, como o relato insone de Kristen Stewart ou o passeio de bicicleta de Ana Lily Armirpour por uma Los Angeles deserta, se aproximando dos cenários de distopia das ficções científicas que imaginaram futuros pessimistas para pontos turísticos mundiais como é a capital do cinema. Há ainda abordagens inclinadas para a fantasia, como Maggie Gyllenhaal que cria um futuro para a pandemia com Peter Sarsgaard interpretando uma espécie de ermitão, ou ainda o conto de horror de Antonio Campos. O projeto se diferencia de reuniões de curtas como Paris, Eu te Amo, não se apresentando para o espectador como um longa-metragem, assim não há um fio condutor entre as histórias.
Alguns dos mais interessantes curtas do grupo apresentam profundo senso de humor. Confesso que sem distanciamento histórico, ver relatos sobre a pandemia mais melancólicos e pessimistas me geram um pouco de desconforto. Assim, o bom humor de Paolo Sorrentino ao criar um toymovie com souvenirs da Rainha Elizabeth e do Papa Francisco em quarentena ou do próprio Pablo Larraín proporcionando um encontro por vídeo entre antigos amantes são alguns dos filmes mais interessantes de se assistir. O mesmo pode ser dito do musical de Sebastian Lelio ou do relato sem compromisso de Gurinder Chadha, que faz um diário com os filhos, ou Johnny Ma, que prepara uma receita da família enquanto reflete sobre o relacionamento complicado com sua mãe.
Captando ansiedades e divagações típicas do enclausuramento, o projeto Feito em Casa destaca a criatividade do seu grupo de artistas e se faz importante como registro do seu tempo e da resistência e importância da arte em circunstâncias desoladoras como a que vivemos, como expressão, ponto de distração e refúgio da dureza que por vezes é a realidade. Mais histórias irão por vir com essa tônica pelos próximos anos e a julgar por esse start pode ser um período criativamente efervescente.
Homemade, 2020. Criadores: Pablo Larraín, Juan de Dios Larraín e Lorenzo Mieli. Diretores: Ana Lily Armipour, Natalia Beristain, Antonio Campos, Gurinder Chadha, Maggie Gyllenhaal, Kristen Stewart, Naomi Kawase, Nadine Labaki, Pablo Larraín, Sebastian Lelio, Ladj Ly, Johnny Ma, David Mackenzie, Rachel Morrison, Khaled Mouzanar, Rungano Nyoni, Sebastian Schipper, Paolo Sorrentino.
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