Depois de ter sido reconhecido pela Academia com indicações ao Oscar de melhor direção e roteiro por Indomável Sonhadora em 2013, Benh Zeitlin simplesmente desapareceu do mapa. Só tivemos notícia de um novo projeto do realizador agora em 2020 com Wendy, filme que circulou por alguns festivais e que reimagina a história do clássico infantil Peter Pan como uma narrativa centrada na garota Wendy que é levada pelo garoto que não quer crescer para a Terra do Nunca junto com seus irmãos.
O que Zeitlin faz em Wendy é basicamente transportar a história criada por J. M. Barrie, vista em tantas oportunidades e das mais variadas formas nas mídias, do clássico Disney de 1953 ao drama biográfico Em Busca da Terra do Nunca de 2004 dirigido por Marc Foster, para o seu próprio universo, a sua perspectiva sobre tramas que versam a respeito da infância instituída lá em Indomável Sonhadora. Aqui, Zeitlin faz praticamente o mesmo que realizou em seu filme de 2012, ele pega elementos de uma realidade bastante dura, marcada por um descaso com a infância, para imaginar elementos fantásticos dentro desse contexto.
Pelo olhar do diretor e roteirista, faz bastante sentido que a história não seja sobre o menino que conseguiu a façanha de não crescer, mas sobre a garota que admira Peter. O jeito de contar essa história, fazendo com que o meio de transporte de Peter para a Terra do Nunca seja uma locomotiva e preservando o tom mítico e fantástico da trama a partir de manifestações naturais da ilha como vulcões em erupção ou criaturas marinhas preserva traços do cinema proposto por Zeitlin em Indomável Sonhadora, mas soa aqui levemente como uma autoindulgência do diretor. É como se a todo instante Zeitlin interpelasse o espectador a admirar suas façanhas cinematográficas e sua capacidade de inventividade como algo inédito quando, na verdade, em Wendy ele acaba repaginando os mesmos recursos de Indomável Sonhadora porém em um outro contexto.
Assim, a julgar por esse filme, tenho minhas dúvidas se Zeitlin tem fôlego para um projeto cinematográfico a longo prazo como uma trilogia só com histórias desse tipo ou mesmo uma carreira inteira construída assim. Há momentos em que o próprio Wendy se perde em meio ao ímpeto do diretor de colocar holofotes nos seus recursos narrativos e o espectador questiona que dado particular da sua leitura sobre o clássico de J. M. Barrie ele quer realmente apresentar.
Mais do que um filme que se mantém numa nostalgia sobre o espírito livre da infância, Wendy é um longa sobre preservá-lo quando adulto. O projeto tem determinados traços que já víamos em Indomável Sonhadora como essa câmera sem suportes estabilizadores da imagem, uma trilha sonora mega presente na narrativa e que funciona ao som de manifestações vocais infantis como risos e gritos ou essa montagem que por vezes mostra-se autossuficiente na condução da história quando na verdade não supre algumas de suas lacunas. Cabe ao espectador avaliar se esses recursos de Wendy são de fato traços positivos do cinema de Zeitlin frente às histórias que ele quer contar. Particularmente, nesse caso faltou deixar de lado um pouco desse background do cineasta estabelecido em Indomável Sonhadora e buscar aspectos mais singulares de linguagem dentro desse outro contexto.
Wendy, 2020. Dir.: Benh Zeitlin. Roteiro: Benh Zeitlin e Eliza Zeitlin. Elenco: Devin France, Yashua Mack, Gage Naquin, Gavin Naquin, Ahmad Cage, Krzysztof Meyn, Romyri Ross, Lowell Landes, Kevin Pugh. Disponível no Google Play, 111 min.
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