Em Revelação, toda a história da representação de pessoas trans na mídia estadunidense é contada por Sam Feder a partir de depoimentos de artistas da indústria a respeito de suas experiências como público e integrantes de um sistema que sempre teve dificuldade para abordar o assunto de maneira respeitosa. Feder entrevista pessoas trans precursoras como Laverne Cox (atriz da série Orange is the new black), Lilly Wachowski (diretora da franquia Matrix), Candis Cayne (atriz da série Dirty Sexy Money), Jamie Clayton (atriz da série Sense 8) e Sandra Caldwell (atriz do filme Crime na Casa Branca) entregando toda a construção dessa história para suas óticas, que se revela diversa em suas percepções sobre avanços e retrocessos no tratamento do tópico.
Como documentação e instância pedagógica sobre o assunto, Revelação tem um valor inestimável, sublinhando sem didatismo professoral e de documentário institucional porque é tão importante boas representações na mídia de sujeitos de comunidades socialmente marginalizadas. Nesse sentido, o filme acaba estendendo sua discussão a outros grupos que tradicionalmente nunca foram respeitados pela indústria, destacando a importância de iniciativas inclusivas e da oportunidades para os integrantes dessas comunidades poderem contar suas próprias histórias, verem experiências semelhantes às suas nas telas etc.
A maior qualidade de Revelação é conseguir sair da já esperada crítica da mídia sobre o assunto, a lógica do concelamento que constrói a TV e o cinema de maneira maniqueísta como entes perversos. O olhar dos entrevistados do documentário para os filmes e séries apresentados no longa é maduro e sai do lugar comum do "condeno" ou "absolvo" que costuma permear as discussões sobre representações em produtos culturais nas redes sociais, por exemplo.
Em Revelação é possível assumir a importância e qualidade de determinados títulos, mas reconhecer suas faltas, sem que com isso elas percam seu valor cultural. A não ser que o produtor ou a obra em questão sejam claramente mal intencionados, como no caso dos filmes de D. W. Griffith, o tratamento que Revelação dá a sua discussão sobre os produtos culturais foge da leitura dessas instâncias como encarnações maquiavélicas. Esse tipo de movimento analítico maduro e complexo ajuda na compreensão da causa por seus pares e também por terceiros e é por vezes difícil ver isso sendo operado na prática de maneira tão clara. O documentário consegue isso com obras emblemáticas como o longa Meninos não Choram, a série The L Word e o documentário Paris is Burning.
Assim, o documentário talvez peque um pouco no "endeusamento" de produções da própria "casa". A exceção de Pose, que pertence a Fox, séries da Netflix como Orange is the New Black e Sense 8 são tratadas como pontos de completa celebração, um olhar que até destoa do que até então vinha sendo traçado pela obra. Quando as obras da "casa" entram em discussão, o longa ganha ares de filme institucional que até então não surgia na discussão.
Apesar dessa leve mudança de prumo, Revelação fica marcado mesmo por essa riqueza de percepções sobre os produtos da mídia. Isso porque o documentário procurou a máxima diversidade dentro da própria comunidade trans, retratando-a como plural e, por isso mesma, repleta de demandas ainda não contempladas a contento, mas que precisam ser urgentemente ouvidas. Nele há mulheres e homens trans, negros, asiáticos, jovens e velhos... E cada um desses grupos tem uma leitura diversa sobre as inúmeras tentativas de tratamento da vivência trans na mídia, ficando evidente como esse diálogo plural é salutar e pedagógico no dimensionamento do próprio problema e na busca por suas soluções.
Disclosure: Trans Lives on Screen, 2020. Dir.: Sam Feder. Documentário. Disponível na Netflix, 100 min.
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