Apesar do título, O Homem Invisível não é um filme sobre o físico genial que encontra uma forma de ficar invisível e atormentar sua esposa, mas sobre esta mulher interpretada de maneira excepcional pela sempre competente Elisabeth Moss e sua capacidade de superar o trauma de ter vivido por anos um relacionamento extremamente abusivo. O longa de terror acaba se tornando uma interessante narrativa sobre as marcas da violência e do abuso doméstico, materializando através de expedientes do cinema fantástico toda a lógica opressora da descredibilização pública da fala feminina sobre a sua própria realidade. O filme se apresenta como um longa que segue a tradição de alguns dos melhores exemplares do gênero ao realizar de maneira orgânica e eficiente a ponte da sua trama fantástica com temáticas sociais bastante palpitantes.
O Homem Invisível já foi levado para as telas em inúmeras versões. A mais conhecida delas foi o clássico da Universal de 1933 dirigido por James Whale e protagonizado por Claude Rains e Gloria Stuart. Esta versão era um filme mais escapista, que trazia à tona temas relacionados com a vaidade científica e a que ponto ela poderia levar o seu protagonista. O Homem Invisível de 2020 promove uma mudança de perspectiva nessa história, transformando diversos dos seus elementos e oferecendo uma possibilidade interessante para um material aparentemente batido na visão do público.
A direção e o roteiro do projeto ficou nas melhores mãos possíveis: Leigh Whannell, responsável pelo ótimo Upgrade: Atualização de 2018. Daquele filme, Whannell traz todo o seu dinamismo na composição de cenas de ação e promove momentos de bastante tensão nas sequências de confronto físico entre a personagem de Moss e seu marido invisível. Ao mesmo tempo, O Homem Invisível é um filme que sabe construir gradualmente sua tensão, testar ao máximo os limites emocionais da sua protagonista e surpreender o espectador com rumos aparentemente insuspeitos do seu roteiro.
O Homem Invisível é também um longa que sabe levar para as telas a perspectiva de sua protagonista sobre os eventos e nesse aspecto o desempenho de Moss no papel principal é fundamental já que ela consegue construir de maneira impecável todo o complexo arco de uma personagem que passa por diversas fases ao longo da história. Em O Homem Invisível, a protagonista passa por um estresse pós-traumático, é acusada injustamente de atos que seu marido por força da sua condição de invisibilidade consegue lhe imputar, vai parar em um manicômio judicial e, no fim, consegue encontrar forças para renascer e virar o jogo. O empenho de Moss na composição dessa personagem, não apenas do ponto de vista psicológico, mas físico, saindo da condição de acuamento para gradualmente assumir um senso de sobrevivência instintivo, é fenomenal.
Assim, O Homem Invisível acaba se apresentando como uma leitura contemporânea refrescante de um clássico que encontra eco em algumas das principais pautas da nossa sociedade atual. Ancorado na ótima direção de Whannell e no desempenho brilhante de sua protagonista, um combo que geralmente é muito importante para o êxito de um longa, o filme é um título que merece todos os elogios que anda colhendo desde que estreou nos cinemas no início desse ano, antes da pandemia.
The Invisible Man, 2020. Dir.: Leigh Whannell. Roteiro: Leigh Whannell. Elenco: Elisabeth Moss, Oliver Jackson-Cohen, Harriet Dyer, Aldis Hodge, Storm Reid, Michael Dorman, Benedict Hardie, Renee Lim, Brian Meegan. Disponível em DVD, Blu-Ray, Google Play e Net Now, 124 min.
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