A carreira inteira da escritora Jane Austen já rendeu diversas adaptações cinematográficas. Emma, por exemplo, já teve um filme de 1996 com Gwyneth Paltrow e Ewan McGregor, uma leitura para os dias atuais com As Patricinhas de Beverly Hills, uma minissérie para a BBC e, mais recentemente, no Brasil rendeu uma inserção em uma telenovela da Rede Globo que também trazia outras personagens da autora na trama. Mais uma versão desse clássico da literatura chega para as telas e poderíamos olhar para esse material com uma certa ressaca de quem supõe que nada de novo pode ser acrescentado a essa história. Ledo engano. O filme de Autumn de Wilde é um revigorante olhar para o universo de Austen ao mesmo tempo em que é extremamente fiel a sua obra quando reconta a história da sua adorável jovem casamenteira.
A adaptação de Emma de 2020 é um ambicioso projeto estético, não economizando nas cores do seu figurino, na opulência dos seus cenários e nos milimetricamente calculados detalhes dos seus planos. Todos os recursos cinematográficos da história, sobretudo os visuais, querem se fazer presentes aos olhos do espectador e fazem isso de uma maneira que enche os olhos com sua criatividade e exuberância. O casamento desses recursos narrativos traz um grande frescor para a adaptação.
Esta versão de Emma é dotada de um certo artificialismo que faz bem à experiência de assisti-lo. Tudo em Emma chama a atenção para sua encenação e para os mecanismos narrativos da sua obra, é um longa extremamente autoconsciente da sua própria engrenagem. Emma tem consciência de quando é melodramático, malicioso, ácido e romântico e mesmo nesses momentos em que olha para todo o maquinário que faz a engrenagem dessa história se movimentar, ele não é sarcástico ou faz chacota do seu material original, mas, com toda sua metalinguagem, consegue ser bastante fiel ao espírito do romance que lhe é fonte de adaptação.
Como se não bastasse, Emma possui um elenco muito bem escalado. Anya Taylor-Joy faz um retrato carismático e cheio de nuances da heroína e encontra em Johnny Flynn um par que consegue se aproximar dos apelos comuns aos interesses amorosos das protagonistas de Austen. Mia Goth rouba a cena em inúmeros momentos como a ingenua Harriet Smith, amiga de Emma. Há ainda Miranda Hart que, na pele da Sra. Bates, uma mulher simples que idolatra Emma, acaba "carregando nas costas" uma das cenas mais reveladoras e comoventes do longa.
Todos os componentes das histórias de Austen estão nessa leitura de Emma feita por Autumn de Wilde, mas aquilo que o filme tem de faísca é a maneira como ele oscila entre o melodrama, a comédia de costumes e uma metalinguagem na forma como aborda a sociedade e as relações inter-pessoais da época através da sua mise-en-scène e seus recursos plásticos. É o tipo de leitura que agrada aqueles que já conhecem o material e apresenta de maneira apaixonante sua protagonista para uma nova geração sem precisar transportá-la para um outro contexto, apenas deixando Emma ser Emma, o que muda aqui, e é muito bem-vindo, é o invólucro que o cineasta traz para sua heroína e sua jornada, algo que só contribui para a apreciação do material original e singulariza essa experiência como algo novo em alguma instância da memória do público.
Emma, 2020. Dir.: Autumn de Wilde. Roteiro: Eleanor Catton. Elenco: Anya Taylor-Joy, Johnny Flynn, Mia Goth, Bill Nighy, Miranda Hart, Callum Turner, Gemma Whelan, Josh O'Connor. Disponível no Sky Play e na Apple, 124 min.
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