A ingênua representação do nazismo em 'Jojo Rabbit'


Taika Waititi tem uma carreira consolidada como diretor desde 2002, mas se transformou em uma espécie de totem da jovem cinefilia mesmo com a comédia sobre vampiros O que fazemos nas sombras (2014) e, principalmente, com Thor: Ragnarok, sua primeira incursão no universo Marvel. Esses dois filmes lhe trouxeram a fama de visionário. Particularmente, acredito que todo esse burburinho é bem maior do que os fatos, ou seja, do que a própria filmografia do diretor, pelo menos até aqui. Jojo Rabbit, o exemplar oscarizável da sua carreira (recebeu 6 menções no prêmio da academia de Hollywood), não muda muito esse cenário. 

O cinema de Waititi é daqueles que "jogam para a plateia" e o fazem com muita esperteza, dialogando sempre com uma geração cool que adora um cem número de recursos dos seus filmes: aquele humor "espertinho" meio hipster, cheio de insights antenados com a cultura pop e as referências cinéfilas, que, na verdade, servem mais para enfatizar o quanto seu diretor estaria supostamente à frente da plateia (e do seu tempo). Jojo Rabbit é tudo isso e mais um pouco, provavelmente cimentando ainda mais o culto desmedido a Waititi. 

O filme conta a história de um menino de 10 anos nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial. Criado em meio a todo o fomento da propaganda nazista e tendo como amigo imaginário uma versão bonachona de Hitler, o garoto descobre no porão da sua casa uma jovem judia escondida por sua mãe e acaba estabelecendo com ela uma relação sincera de amizade. 


O filme de Waititi até que acerta em algumas frentes. O elenco infantil de Jojo Rabbit distribui carisma, começando pelo protagonista Roman Griffin Davis e também pelo fofo Archie Yates, uma graça de garoto como o melhor amigo de Jojo. Scarlett Johansson está inspirada como a mãe de Jojo, uma mulher que por debaixo dos panos faz campanha anti-nazista. Os méritos, entretanto, param por ai. 

Jojo Rabbit é um longa de convicções louváveis, a ideia de mostrar o nazismo pela ótica de uma criança vítima da lavagem cerebral de um sistema capaz de transformar em ídolos verdadeiros monstros como Adolf Hitler. O que o corrói como obra cinematográfica é sua roupagem, um misto de truques que querem salientar uma pretensa iconoclastia da obra pelo choque anacrônico provocado quando você insere referências de contextos históricos completamente diversos.

 A direção de Waititi é extremamente afetada, gaba-se de proezas que só existem para satisfazer essa cinefilia cool que cultua os seus filmes, com personagens excêntricos e trilha dos Beatles e de David Bowie repaginadas. O projeto emula o cinema de Wes Anderson na composição dos seus planos e na mise en scène, mas é uma apropriação tão ingênua que soa como se fosse assinado por um adolescente de 15 anos em seu primeiro filme. Waititi interpreta todos esses elementos (Beatles, Bowie, Anderson) no contexto da Alemanha nazista como um arroubo de iconoclastia, como se esse anacronismo por si só representasse um ato de genialidade, mas é puro verniz. 

Jojo Rabbit ainda por cima é repetitivo. O filme apropria-se de um tema tão batido no cinema quanto o nazismo e a Segunda Guerra Mundial para não fazer absolutamente nada por ele. É um filme para os fãs do diretor, gosto adquirido. Quem sabe da próxima vez não me convença? Aqui, ele faz de um tudo para soar ainda mais afetado e cheio de truques que escamoteiam seu cinema de colagem, que, no lugar de visionário, é puro gogó. Como cereja do bolo ainda tem uma Rebel Wilson nazista. Ou seja, Taika, ai já tá forçando demais a amizade!


Jojo Rabbit, 2019. Dir.: Taika Waititi. Roteiro: Taika Waititi. Elenco: Roman Griffin Davis, Scarlett Johansson, Thomasin McKenzie, Sam Rockwell, Rebel Wilson, Taika Waititi, Alfie Allen, Archie Yates, Stephen Merchant. Fox, 108 min. 

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A ingênua representação do nazismo em 'Jojo Rabbit'
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