Depois da repercussão de A Bruxa, certamente um dos longas mais importantes dos anos 2010, Robert Eggers retorna aos cinemas com uma história igualmente sombria, O Farol, cheio de expectativas, claro. O realizador troca levemente a ambígua atmosfera pagã da Nova Inglaterra de 1630 pelo teor bizarro de uma delirante narrativa onírica protagonizada por dois faroleiros mentalmente afetados pela solidão imposta por sua atividade. Assim como em seu debut de 2015, Eggers mais uma vez demonstra ousadia no mergulho de temas que rondam a jornada de seus personagens, procurando caminhos extremos que outros cineastas da sua geração talvez não percorram por pudores de uma arte que anda cada vez mais conservadora em suas expressões.
O segundo longa do diretor traz a história de um faroleiro interpretado por Dafoe, responsável por zelar um farol em uma ilha da Nova Inglaterra em torno de 1890. O veterano contrata o personagem de Pattinson como aprendiz, um rapaz cheio de aspirações que, na verdade, está usando o trabalho como ponte para alcançar outros anseios em sua vida. Ele chega para substituir o antigo ajudante do faroleiro e aos poucos descobre o histórico conturbado da relação do seu chefe com o rapaz naquele lugar, sendo atormentado por toda sorte de aparições, de pelicanos a sereias. O personagem de Dafoe gradualmente começa a exibir um comportamento autoritário e abusivo, ao passo que seu aprendiz perde gradualmente a sanidade.
O Farol tem sua narrativa completamente tecida por esse jogo tenso estabelecido entre Dafoe e Pattinson, tendo seus atores como elementos fundamentais para a sua ação. No entanto, O Farol também é um filme calcado nas fortes inspirações plásticas de Eggers, que reverencia experiências e escolas cinematográficas do passado. O formato de tela quadrada e os planos milimetricamente calculados em sua plasticidade nos remetem ao expressionismo alemão de F.W. Murnau e contribuem para fazer o espectador embarcar na proposta do filme, transformar a jornada do personagem de Pattinson em uma espécie de longo pesadelo cinematográfico com imagens de forte potencial iconográfico e que, em sua edição, propõem uma escritura visual, sem recorrer ao tradicional suporte de diálogos e de uma narrativa tecida em ordem cronológica ou com teor realista. Tudo em O Farol é puro delírio que assume o bizarro como chave de comunicação com o público, como se a história tivesse sido tecida pelo próprio personagem de Pattinson.
Todo esse radicalismo estético não surge em O Farol como referência cinéfila aleatória, como muitos cineastas fazem hoje em dia ao reverenciar nostalgicamente o passado da sua arte, mas aparece no filme como uma apropriação de esquemas bem sucedidos para produzir efeitos receptivos semelhantes àquelas obras. Eggers aplica tudo isso numa história que versa sobre os efeitos de um isolamento imposto a partir dos relatos reais de homens que se submeteram ao tipo de vivência que os protagonistas do longa tiveram e faz o espectador mergulhar nessa jornada a partir de expedientes imagéticos que servem muito bem à proposta.
Por vezes excessivamente extenso, O Farol tem o tom de uma narrativa onírica sombria ao se importar muito pouco com padrões de encadeamentos de fatos em um modelo padrão de storytelling. Planos desconexos fazem o espectador mergulhar na perda gradual de controle da lucidez vivenciada pelo personagem de Pattinson, que tem mais um desempenho formidável na sua ascendente carreira. Imagens bizarras relacionadas a instintos primitivos de sexo e violência absorvem as escolhas visuais de Eggers e guiam sua edição, representando o estado de confusão mental do seu protagonista.
Como projeto que cronologicamente sucede A Bruxa, O Farol abraça mais um preciosismo e até exibe um realizador mais narcisista na admiração da sua própria capacidade de conceber feitos técnicos e plásticos. É também, acima de tudo, um intenso teste para seus atores, não fosse a sinergia entre Dafoe e Pattinson certamente não seria o filme que é. Enquanto Willem Dafoe exerce controle e exibe sadismo, Pattinson está constantemente se desconstruindo e se reinventando em cena num desempenho memorável. No fim das contas, demonstra que, de promessa em 2015, Robert Eggers reafirma com esse filme seu talento e domínio da linguagem cinematográfica.
The Lighthouse, 2019. Dir.: Robert Eggers. Roteiro: Robert Eggers e Max Eggers. Elenco: Robert Pattinson, Willem Dafoe, Valeriia Karaman. Vitrine Filmes, 109 min.
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