O Escândalo narra a história de um grupo de funcionárias da Fox News que em 2014 empreenderam uma batalha contra Roger Ailes, chefe da rede de canais de TV, alegando terem sofrido por anos assédio sexual na sua sala de trabalho. O longa assume a perspectiva de duas figuras emblemáticas desse processo, a jornalista Gretchen Carlson, interpretada por Nicole Kidman, e a advogada Megyn Kelly, vivida por Charlize Theron, e ainda compõe uma terceira figura a partir dos relatos de outras envolvidas, a jovem jornalista Kayla Pospisil, papel de Margot Robbie.
As ações das funcionárias da Fox News contra Ailes precedeu todo o movimento #metoo que tomou conta do país e respingou na indústria cinematográfica em 2017 com a derrocada de Harvey Weinstein, cabeça da The Weinstein Company. Era natural que Hollywood quisesse transformar parte desse movimento histórico em filme e O Escândalo é uma representação relativamente livre de todo esse processo.
O longa tem o DNA do tipo de narrativa que o roteirista Charles Randolph propôs com Adam McKay em A Grande Aposta e foi replicado no projeto posterior do diretor, Vice. Tem um tom de sátira sobre os bastidores do poder com os personagens se dirigindo ocasionalmente para o espectador quebrando uma quarta parede e um olhar corrosivo sobre o americano conservador, mas em O Escândalo essa chave de comunicação parece dividir espaço com um drama mais realista e é nessas oscilações que a trajetória de Megyn Kelly, Gretchen Carlson e companhia é contada. Nesse sentido, é até motivo para se respirar aliviado que o longa não tenha se vestido por completo com tom estridente de sátira que contaminava Vice, afinal seria insuportável ter mais um engodo desse a engolir, um filme que o tempo inteiro se coloca à frente do seu próprio espectador como se o mesmo fosse uma ameba. O Escândalo é irreverente, corrosivo, sério e sóbrio em proporções ajustadas.
O longa funciona bem nessa narrativa expiatória e irônica sobre os bastidores do poder, algo que o diretor Jay Roach se habituou a fazer muito bem em exemplares da HBO como Virada no Jogo e Recontagem. Roach retrata o cotidiano da redação da Fox News com agilidade e pincela a rotina do seus profissionais com as contradições típicas de ambientes conservadores, mas também contextualiza o universo do telejornalismo, com a objetificação das mulheres e como isso molda sutilmente um ambiente de competitividade feminina. Também é interessante que o filme utilize três personagens femininas em diferentes estágios de suas vidas profissionais para tecer a sua trama: Gretchen, já estabelecida; Megyn, no auge da fama; e Kayla, aspirando o sonho de um dia chegar no posto das duas primeiras.
No fim das contas, o ponto alto de O Escândalo acaba sendo mesmo o seu elenco, que funciona de maneira brilhante como coletivo. Charlize Theron incorpora com precisão o pragmatismo de Megyn Kelly, mesmo em situações de grande intensidade emocional, e Nicole Kidman personifica o pioneirismo de Gretchen Carlson com um tom inspiracional e até heróico. Margot Robbie pontua a trajetória de Kayla com as inseguranças e cobranças típicas de uma jovem em início de carreira e tem duas cenas pontualmente dramáticas que possivelmente selaram sua indicação ao Oscar por esse trabalho. A personagem em si às vezes é um pouco inconsistente e sua construção a partir de uma miscelania de histórias talvez a distoe do restante do elenco, mas Robbie é um talento nato e contorna alguns desses problemas. Sob quilos de maquiagem, John Lithgow está irreconhecível e soberbo como Roger Ailes. Há ainda participações pontuais de Kate McKinnon, Malcolm McDowell, Connie Britton, Allison Janney e Mark Duplass, todos ótimos e orgânicos na narrativa.
Há um pequeno problema de ritmo depois da primeira hora de filme. Quando as três figuras femininas centrais da história (Theron, Kidman e Robbie) se encontram na excelente (e já conhecida pelo teaser) cena do elevador, o filme parece se "baratinar" na jornada rumo à conclusão da sua trama. No entanto, Roach e Randolph sustentam boa parte do projeto com um olhar objetivo sobre o assunto, fugindo de qualquer emulação de discursos adolescentes inflados típicos das redes sociais na contemporaneidade, tratando o caso com o mesmo pragmatismo da sua protagonista Megyn Kelly.
Bombshell, 2019. Dir.: Jay Roach. Roteiro: Charles Randolph. Elenco: Charlize Theron, Nicole Kidman, Margot Robbie, John Lithgow, Kate McKinnon, Connie Britton, Mark Duplass, Malcolm McDowell, Allison Janney, Holland Taylor, Liv Hewson. Paris Filmes, 109 min.
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