O legado de uma vida e os perigos da nostalgia em 'Star Wars: A Ascensão Skywalker'


por Klaus Hastenreiter

“OS MORTOS FALAM!” diz a introdução textual do nono filme da saga Skywalker, agora em seu (possível) desfecho definitivo. A conclusão dessa “trilogia de trilogias” lida tematicamente com o legado enquanto condição para o desenvolvimento de seus personagens, algo que há quarenta e dois anos se tornou a marca da mitologia. As ironias e “coincidências” do destino seguem a lógica das reviravoltas que elevaram a aventura espacial ao status popular como hoje é conhecida, apesar do incômodo de um leve gosto de refeição requentada, difícil de ignorar, nesta última edição.

Apesar disso, é importante destacar aqui um esforço técnico e visual invejável na construção da atmosfera de Star Wars: A Ascenção Skywalker. Já em seus cinco minutos iniciais, podemos acompanhar uma das sequências mais bem dirigidas de toda a franquia e que ditará o tom da narrativa que iremos acompanhar. A busca do vilão Kylo Ren (Adam Driver) pelo supostamente morto Imperador Palpatine, traz um toque de terror nunca antes visto em seus predecessores, arriscando uma urgência através das sombras de sua imagem e do peso do som trovejante. Alguns dos planos desta sequência, especialmente aqueles mais abertos. onde a dimensão do espaço se contrasta com a pequenez do aprendiz Sith, poderiam facilmente se tornar quadros na exposição de um museu.

Entre diversas linhas narrativas que parecem tropeçar umas nas outras em suas tentativas de conclusão, a trajetória de Kylo Ren se destaca pela gravidade de suas ações e pela invejável inteligência cênica de seu interprete. O rapaz que ignora por completo seu legado, sendo capaz de ter matado o próprio pai como símbolo de sua distorcida estratégia para achar seu verdadeiro caminho (o que por si só já o coloca como um trunfo passível de qualquer atitude), traz uma complexidade emocional invejável em sua derradeira aparição. Driver, mesmo com seus pequeninos olhos, consegue transbordar sua emoção em tela em um turbilhão de sentimentos que confundem e revoltam o Jedi caído, confuso e desamparado em busca de respostas relacionadas à sua fé perante a Força e à própria trajetória de seu avô, Darth Vader.


Do lado da luz, é interessante perceber o entrosamento do trio protagonista composto por Rey, Finn e Poe. Com uma passagem de tempo considerável entre os dois últimos episódios da franquia, é importante notar a intimidade criada entre eles fora de tela e como ela se torna essencial para a criação de empatia e identificação com o público. Os olhares, as piadas internas, tudo remete ao coração do universo Star Wars, do espírito da aventura clássica como parábola para a análise de valores éticos, até seu exagero em formato de escolhas narrativas excessivamente moralistas, um reflexo lógico da compra da marca pela Walt Disney Pictures.

O filme se apresenta em um pulso exageradamente acelerado, difícil até de acompanhar e de se importar com algumas das peripécias genéricas as quais são apresentadas ao público em sua primeira hora. Os diálogos exageradamente pomposos de alguns personagens, descabidos e mal construídos por um excesso de exposição que busca acelerar ainda mais a trama, também não são o forte do longa. No fundo, a força do projeto está longe de ser a da escrita, já que o roteiro se calca em uma série de conveniências que se interessam muito mais em agradar os fãs de mitologia do que em seguir uma narrativa inteligente. A própria escolha do retorno do clássico vilão Palpatine, por mais interessante que possa ser pelo ponto de vista temático e atmosférico, não parece ser alinhada com a lógica desenvolvida nas primeiras duas partes da atual trilogia, beirando um claro desespero executivo.

Star Wars: A Ascenção Skywalker é um verdadeiro espetáculo sonoro e visual, mas que demora em desembaraçar os fios de uma condução bagunçada e se mantém refém de uma repetição narrativa por boa parte de sua projeção. A obsessão nostálgica busca respaldar a falta de originalidade em determinadas soluções, ao mesmo tempo em que a própria conclusão tenta se desculpar  ao dar uma espécie de voz própria a sua protagonista.

Às vezes, os mortos falam demais. Custa deixá-los descansar?



Star Wars: The Rise of Skywalker, 2019. Dir.: J. J. Abrams. Roteiro: J. J. Abrams e Chris Terrio. Elenco: Daisy Ridley, Adam Driver, Oscar Isaac, John Boyega, Carrie Fisher, Keri Russell, Domhnaal Gleeson, Richard E. Grant, Kelly Marie Tran. Disney, 141 min. 

Assista ao trailer: 


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O legado de uma vida e os perigos da nostalgia em 'Star Wars: A Ascensão Skywalker'
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