por Enoe Lopes Pontes
Logo nos primeiros minutos do filme é
possível descobrir como as personagens principais da obra se enxergam. O tema
do seu enredo também é rapidamente descoberto. O que vem depois são as
consequências do que já se é anunciado desde o início. Este é um longa sobre
divórcio. As derrotas e sensações ruins podem ser logo previstas. O que,
talvez, o espectador não consiga antecipar é a profundidade da visão sobre as
relações humanas que o diretor e roteirista Noah Baumbach alcança.
São quase palpáveis as dores e mágoas
performadas em cena. Em grande parte, isto se dá pelas atuações de Scarlett
Johanson (Ela) e Adam Driver (Infiltrado na Klan), que evocam
silêncios e olhares cruzados e opostos quando as situações são tristes ou constrangedoras
demais. Mas, também são os movimentos de câmera, como o tracking shot* na sequência do encontro de Nicole (Johanson) e Nora
(Laura Dern). Isto aproxima o espectador da realidade que está sendo mostrada e
passa uma sensação maior de realismo, que também pode engrandecer a empatia e
conexão com as personagens mostradas, o que contribui para o que Baumbauch quer
transmitir.
No entanto, apesar da obra tentar
causar a impressão de que mostra os dois lados da moeda de um relacionamento,
resta também uma sensação de flerte com uma justificativa do abandono parental.
Há um discurso proferido por Nicole das injustiças e repressões que ela
vivenciou durante os mais de oito anos de casamento. Além disto, sua libertação
também é demonstrada em seu fenótipo, tonalidade vocal e gesticulação.
Porém, ainda que a opressão de
Charlie (Driver) seja posta, ela é colocada numa medida extremamente menor se
comparada com as lamúrias e situações trágicas inseridas no caminho do
protagonista. A única parte que alivia todo o recheio da projeção que e
preenchido das peripécias e infortúnios da figura do ex-marido é o desfecho da
trama que expõe o tamanho do ego e do egoísmo das figuras paternas que estão
sempre imersos na cegueira em possuir seus desejos e certezas concretizados ao
ponto de ignorarem tudo que há ao redor. Baumbach acerta ao concluir assim o
seu roteiro.
Além disso, o filme também demonstra
um cuidado extremo com os aspectos imagéticos, principalmente em temperaturas,
tanto no figurino como na direção de arte. As amarras de Nicole estão no verde
piscina que está nas roupas da mãe e na parede de seu antigo quarto e no preto
que seu marido está sempre usando e no qual ela estava imersa na cena da
companhia teatral dele. Nela própria, vê-se o vermelho mais terroso, que até
está em seu tom de cabelo. À medida que a exibição avança, é possível perceber
como as cores vão se tornando mais suaves, indo mais para um salmão. Estes
detalhes revelam uma construção cuidadosa das personagens e das ambientações,
dando um arremate para o resultado final.
No geral, História de um Casamento é
uma produção bem realizada da Netflix, com interpretações bem construídas e uma
direção cuidadosa, porém que deixa um amargor de engano quando se reflete sobre
a maneira como é o seu discurso é posto, que deixa resquícios da visão
masculina de Baumbach sobre as mulheres, a família e o mundo.
Marriage Story, 2019. Dir.: Noah Baumbach. Roteiro: Noah Baumbach. Elenco: Scarlett Johansson, Adam Driver, Laura Dern, Alan Alda, Ray Liotta, Merritt Wever, Wallace Shawn, Azhy Robertson, Mickey Sumner, Matthew Shear, . Disponível na Netflix, 136 min.
Assista ao trailer:
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