Dois Papas marca o retorno de Fernando Meirelles aos filmes e também a temporada de premiações do cinema, já que o longa recebeu 4 indicações ao Globo de Ouro e anda bem cotado para o Oscar. O último projeto do realizador indicado ao Oscar por Cidade de Deus tinha sido o não tão exitoso 360, lançado em 2013.
Em Dois Papas, Meirelles segue sua ambição de construir projetos marcados por uma transnacionalidade, trazendo para sua ficha técnica profissionais das mais diversas origens e narrando eventos de impacto global. Além da obediência a essa recorrência na carreira do diretor, o título também nos faz perceber um vigor no storytelling que não víamos desde O Jardineiro Fiel, longa de Meirelles de 2005. Podemos assumir então que o hiato fez bem a Meirelles.
Dois Papas chega ao catálogo da Netflix disposto a contar a história por trás da recente sucessão papal, narrando eventos que antecederam o anuncio de afastamento por Bento XVI e a escolha de Francisco como líder da Igreja Católica. O roteiro escrito por Anthony McCarten imagina o encontro entre as personagens e o que poderia ter sido o embate de ideias entre ambos, já que o então papa se mostrava uma figura extremamente conservadora e apegada aos dogmas da igreja, enquanto que o futuro líder religioso tinha ideias mais progressistas sobre os rumos da instituição.
O olhar de Meirelles em Dois Papas é para a Igreja Católica - que, evitando simplismos intelectuais, não é a de um cinismo ateu ou de uma condescendência cega, mas equilibrado -, especificamente, um ponto de vista sobre tomada de consciência da instituição para a necessidade de se adaptar ao seu tempo e não cair em uma irrelevância social. Meirelles também utiliza o roteiro de McCarten para transformar o filme em um olhar clínico sobre a figura de Francisco, investigar suas origens e entender porque ele representou a figura certa para esse momento do catolicismo de adaptação às mudanças sem se desapegar das tradições.
Apesar do protagonismo de Francisco e da interpretação de Jonathan Pryce ser um ponto alto da história, Anthony Hopkins domina a cena como o Papa Bento XVI, saindo de um piloto automático que se encontrava nos últimos anos da sua carreira com variações da sua célebre interpretação de Hannibal Lecter em O Silêncio dos Inocentes, vencedora do Oscar de melhor ator em 1992. O retrato que o ator faz do papa conservador e solitário em Dois Papas apresenta diversas camadas e Hopkins compõe cada uma delas com minúcias de detalhes tornando sua presença no longa sempre um ponto de virada para a própria obra. Os melhores momentos de Dois Papas são aqueles nos quais o ator está em cena com Jonathan Pryce defendendo e tecendo argumentos a respeito dos seus pontos de vista.
Estruturalmente, o filme se perde nos flashbacks invasivos sobre Francisco, que interrompem a fluidez das cenas protagonizadas por Pryce e Hopkins. Ao mesmo tempo, em alguns momentos, Meirelles dedica tempo demais com intervenções desnecessárias e que não mostram relevância alguma do ponto de vista narrativo, como os planos inclinados e que sugerem um olhar voyeur para a intimidade dos papas ou então a alternância de focos dentro de uma mesma cena. Esses maneirismos de direção ofuscam a verdadeira contribuição de Meirelles para a história, orquestrando com fluidez a dinâmica dos seus veteranos atores em cena, misturando realidade com ficção e explorando os espaços amplos dos salões do Vaticano fotografados com riqueza pelo habitual colaborador do diretor, o diretor de fotografia César Charlone.
The Two Popes, 2019. Dir.: Fernando Meirelles. Roteiro: Anthony McCarten. Elenco: Jonathan Pryce, Anthony Hopkins, Juan Minujín, Luis Gnecco, Cristina Banegas, María Ucedo, Renato Scarpa, Sidney Cole, Federico Torre. Disponível na Netflix, 125 min.
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