por Hilda Lopes Pontes
Doutor Sono é a
continuação da adaptação do livro de Stephen King O Iluminado e tem como
diretor Mike Flanagan e diretor de fotografia Michael Fimognari. A escolha para
a cinematografia foi feita por conta do trabalho de Fimognari em A Maldição da
Residência Hill, marcado pela sua habilidade em construir uma atmosfera de horror.
Doutor Sono faz um jogo de
luz e sombras por vezes muito demarcado, outras de maneira mais suave para
reafirmar o caráter das personagens em tela. Existe uma tradução de quem são
aquelas pessoas colocadas em cena a partir da luz. Desde a primeira cena, vemos
uma iluminação natural, mas que foi manipulada, pelo
balanço de branco ou na pós, para atingir tons mais puxados para um cinza
azulado, deixando o céu quase estourado e as personagens mais nas sombras. Esse
efeito traça uma ambientação que desde o princípio do longa entende-se que
aquelas pessoas ali mostradas são “vilões”.
Entre sombras e luz: as aparições da vilã de Rebecca Fergusson. |
Quando passamos para o protagonista vemos mais cenas internas. Então, começa a se perceber o trabalho de uma luz que se pretende parecer diegética. As cenas internas são sempre mais escuras e, aparentemente, iluminadas por objetos que estão dispostos em quadro ou de luzes do exterior que influenciam internamente.
O primeiro item muito
usado no longa inteiro é o abajur. A
maioria das cenas internas são povoadas de abajures, pelo menos três,
posicionados para a justificação da incidência da luz em certos lugares. A cor
deles é sempre um âmbar alaranjado , contrastando com a arte que utiliza muito
o azul. É como se a dualidade das ocasiões e do conflito interno do
protagonista, estivesse representado visualmente.
Isso torna possível que uma das interpretações possíveis para o filme é que o “shine”, o poder de Dany, representado pelas cores fortes, pelos tons de laranja que o cercam e o azul, é, às vezes, a tentativa de esconder esse brilho.
Isso torna possível que uma das interpretações possíveis para o filme é que o “shine”, o poder de Dany, representado pelas cores fortes, pelos tons de laranja que o cercam e o azul, é, às vezes, a tentativa de esconder esse brilho.
A importância dos abajures nas cenas internas de Doutor Sono. |
Nota-se no quadro que
há uma luz difusa que ilumina o plano inteiro e as luzes dos abajures são mais
marcadas, ainda que não tão duras. Essas
luzes corroboram também com o mise-en-scène quando Dany caminha pelo quarto e
vai usando cada parte dele em separado e a câmera acompanha, ele está sempre
iluminado. É como se essa luz sempre
o acompanhasse, não deixasse de existir em sua vida.
É interessante também
ressaltar a iluminação que, aparentemente, vem de fora das casas, nos locais
onde Dany mora há sempre uma grande janela que ilumina o espaço e no hospital
onde ele trabalha também. Assim, muitas das cenas têm luzes de postes que
desenham no chão o cenário exterior. Por exemplo, em seu corredor há uma janela
que se reflete no assoalho e, além do formato da mesma, vemos também árvores
que se movem.
Outra cena com luz
justificada é uma cena onde haverá o assassinato de uma criança num terreno
abandonado. O local é quase todo escuro e os carros dos antagonistas estão em
direção ao local de ação dos acontecimentos. Vemos um forte contra, que, unido à fumaça constrói quase um momento de espetacularização do sofrimento e casa
bem com as emoções sentidas por aquelas pessoas que vivem da essência do corpo
de crianças que só aparecem através do sofrimento das mesmas. Portanto, essa cena
cria com sua luz, um tom macabro porque, além de tornar um momento extremamente
doloroso em quase mágico, faz com que os vilões parecem ainda maiores, ainda
mais assustadores.
Rituais macabros: Luzes que dimensionam a ameça dos seus vilões. |
O filme consegue trazer uma atmosfera de um universo sombrio, onde o medo move por muito tempo a vida das personagens. A dualidade também é sempre presente e pode-se ver isso nas cores também: o que é ligado a um universo sombrio é azul, quando se quer falar dos iluminados ou como eles estão em risco ou oferecem risco, a luz tem mais tons laranja. Já Dany, tem uma mistura dos dois universos.
Além disso, o uso da iluminação exterior,
reconstrói a arte, no sentido que o que vem de fora, muitas vezes, toma forma
em cena. A tentativa de sempre justificar de onde vem as luzes também é exitosa
e traz uma integração entre as ações das personagens e o mise-en-scène.
O filme tem um proposta
visual interessante e constrói bem sua proposta de fotografia o que,
geralmente, se propõe em seu universo de filmes de horror, o que o mesmo
termina pecando é em outro aspecto, o da construção de personagens e desenvolvimento
do roteiro, deixando a obra perder sua potencialidade.
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