'Parasita' e o cinema com sintomas do nosso tempo


Se pegarmos as três produções cinematográficas que mais tiveram eco com o público em 2019, cada qual de origem diversa e retratando realidades muito distintas, em continentes de culturas praticamente opostas por sua história, podemos perceber uma mensagem bem clara e uníssona sobre alguns dos mais destacáveis problemas da contemporaneidade. Coringa nos Estados Unidos (América do Norte), Bacurau no Brasil (América do Sul) e agora Parasita na Coreia do Sul (Ásia) têm como preocupação estruturas sociais que provocam  mal estar em indivíduos e grupos marginalizados. Todd Phillips, Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles e Bong Joon-ho não sentaram em uma mesa de bar para conversar sobre política e questões sociais, mas a sensação é que os cinemas desses realizadores se encontraram e, como acontece em tempos tão complicados de se entender como o nosso, a arte acaba expurgando esses incômodos e sendo abraçada pelo público como representação das suas principais angústias. 

Parasita conta a história de uma família de poucos recursos que enxerga oportunidades de subir na vida quando começam a prestar serviços para uma família rica. Sem saber do parentesco dos novos empregados, o grupo mais abastado acaba acolhendo pai, mãe e filhos em funções como tutores, motorista e empregada doméstica. As relações começam a ficar complexas durante uma viagem que os ricaços fazem deixando o grupo de empregados à vontade para usufruir os privilégios da mansão onde trabalham. 


Em Parasita, Bong Joon-ho faz algo semelhante àquilo que fez com uma de suas obras mais populares, Expresso do Amanhã, converte as disposições dos estratos sociais em cenários de arquitetura simbólica. Enquanto no sci-fi distópico de 2013 o cineasta utilizava os vagões de um trem para representar as tensões de grupos sociais, em Parasita, Bong Joon-ho explora a intensa dinâmica entre o casarão de design clean da casa dos ricaços com o porão da mansão e a casa quase que subterrânea dos empregados no subúrbio coreano. 

Com um roteiro que tem fôlego para apresentar novas facetas da sua história até o último segundo do filme, o diretor desenvolve gradualmente seu corpo de personagens, que funcionam de maneira fantástica como coletivo, até chegar ao principal ponto de virada da trama. Há um determinado momento no qual a presença simultânea de praticamente todos os personagens do filme no mesmo imóvel promovem uma espécie de coreografia na qual os protagonista se movimentam entre os cômodos e se escondem em uma dinâmica tensa que simula um balé orquestrado por edição, movimentação de câmeras e encenação. 

A capacidade que Parasita tem de prender o público a cada segundo oferecendo facetas diversificadas de uma mesma história que oscilam entre a comédia, o melodrama, o discurso social, o horror, o nonsense é fabulosa. Bong Joon-ho já demonstrou em outros momentos que tem repertório e gosta de surpreender o público com suas inusitadas perspectivas a respeito de histórias que julgamos a princípio convencer. O desfecho de Parasita se opõe por completo à ironia do seu início e é por essa chave que o filme funciona durante toda a sua projeção, oferecendo uma perspectiva melancólica sobre a utopia da ascensão social. 


Gisaengchung, 2019. Dir.: Bong Joon-ho. Roteiro: Bong Joon-ho. Elenco: Song Kang-ho, Lee Sun-kyun, Jo Yeo-jeong, Choi Woo-sik, Jang Hye-jin, Park So-dam, Jung Ji-So, Lee Ji-hye, Park Myeong-hoo, Park Seo-joon, Park Keun-rok. Pandora Filmes, 132 min. 

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Chovendo Sapos: 'Parasita' e o cinema com sintomas do nosso tempo
'Parasita' e o cinema com sintomas do nosso tempo
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