No terceiro ato de Ford vs. Ferrari, o diretor James Mangold (de Logan) em conjunto com seus roteiristas oferece uma perspectiva original para a história até então apresentada ao público. O longa americano com pinta de "oscarizável", ao menos pelo que aponta até o momento alguns previsores, é baseado em eventos reais e conta a história de um designer de carro e um piloto que acabam operando nos bastidores da Ford quando a empresa começava a perceber a Ferrari como grande rival.
Com toda a "pinta" de longas sobre universos do esporte, Ford vs. Ferrari "aponta o dedo" para o nocivo interesse corporativo e para o jogo de poder por trás de algo sempre construído com uma atmosfera passional pelos fãs de corridas, os automóveis. É no jogo de oposição entre os interesses de Carroll Shelby, papel de Matt Damon, e Ken Miles, interpretado por Christian Bale, interessados sempre na performance das máquinas e no fascínio pela velocidade, e os poderosos encabeçados por Henry Ford II, o excelente Tracy Letts, que Mangold surpreende com suas decisões e caminhos tomados na trama em seu terceiro ato.
No comando da história, Mangold oferece uma direção eficiente que conduz interessantes sequências nas pistas, mas que acerta sobretudo pela sutileza com a qual conduz o drama dos seus personagens. Sem elevar as notas das suas emoções, Mangold consegue encontrar no longa uma emotividade quieta e sutil através da jornada do personagem de Bale, que está bem no papel, mas nada que fuja dos maneirismos usuais que têm sido repetidos na carreira do ator recentemente em títulos como Vice e Trapaça. Na pele do sulista Carroll Shelby, Damon está muito mais interessante, sendo capaz de externar uma emoção discreta com precisão que não suspeitava ser capaz de articular em cena.
Ford vs. Ferrari tem menos energia do que o público poderia esperar desse tipo de longa, se interessando muito mais pelos bastidores do universo do que por suas competições, ainda que elas tenham algum destaque. Apesar do curioso olhar que o longa apresenta para a sua história na proximidade do seu desfecho, é um longa pelo qual alguns espectadores podem ter dificuldade de criar empatia, mesmo que apele para sentimentos universais que versam sobre relações familiares. No fim das contas, acaba sendo o "mesmo e velho" filme sobre automobilismo e o fascínio que ele exerce sobre homens americanos brancos e heterossexuais.
Carros, poder e dinheiro são cobiçados pelos dois lados do jogo expostos por Mangold, um deles apresentado com romantismo enquanto o outro opera por vezes em uma vilania cartunesca - e que bom que o longa conte com um ator competente como Tracy Letts para compensar a canastrice do vilão unidimensional de Josh Lucas. O longa é extremamente competente como técnica e linguagem, não sei se tem carisma o suficiente para ser interessante a todos os tipos de públicos como Rush: No Limite da Emoção de 2013 do diretor Ron Howard, mas é um título de escolhas acertadas.
Ford v. Ferrari, 2019. Dir.: James Mangold. Roteiro: Jez Butherworth, John Henry-Butterworth e Jason Keller. Elenco: Christian Bale, Matt Damon, Tracy Letts, Caitriona Balfe, Josh Lucas, Jon Bernthal, Noah Jupe, Ray McKinnon, J J Feild, Wyatt Nash. 153 min.
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