É possível que ao final da sessão de Hebe: A Estrela do Brasil o espectador perceba uma certa divisão de impressões acerca do resultado da cinebiografia de Hebe Camargo, que, é certo, revela-se "quadradona" como a média do gênero no país, mas tem muito mais pontos a seu favor do que contra. Algo que possivelmente será unanimidade é a excelência do desempenho de Andréa Beltrão na pele da comunicadora. Qualquer adjetivo é pouco para dimensionar o resultado da performance de Beltrão como Hebe Camargo, um primor, daquelas interpretações que enchem a tela e sustentam o filme. Magnética em cena, a atriz acerta com precisão o equilíbrio entre a encarnação da personalidade que interpreta, reproduzindo em gestos e voz a figura biografada, e a assinatura pessoal, se antecipando às armadilhas do caricatural. É genial, sensível, carismático... Arrebatador.
Em Hebe: A Estrela do Brasil, Beltrão tem o tipo de presença em cena que dimensiona a importância e exuberância da sua protagonista, uma personalidade que não passava batido. O retrato que o filme de Maurício Farias procura fazer de Hebe Camargo traz a apresentadora de TV em um recorte específico da sua vida, beneficiando o projeto como longa-metragem e apartando-o da recorrente sensação que as cinebiografias brasileiras trazem de que existe algo faltando ou sobrando na sua narrativa ao tentar contemplar nascimento, infância, vida adulta, velhice e morte do seu biografado. Durante a década de 1980, Camargo encontrava como empecilho para o seu trabalho a censura no país e fez uma importante mudança de emissoras, saindo da Bandeirantes e assinando com o SBT de Silvio Santos. O filme aborda aspectos da vida de Hebe como sua empatia pela causa LGBTQIA+, sua relação tumultuada com o marido Lélio e sua preocupação com os rumos políticos do país.
Como parte das cinebiografias brasileiras co-produzidas pela Globo Filmes, Hebe: A Estrela do Brasil pertence a um projeto transmídia que promete trazer uma versão da obra em formato de minissérie a ser exibida na Rede Globo. Recorrentes problemas desse tipo de material são sentidos na versão cinematográfica, como seu texto expositivo, por vezes artificial, proporcionando aos atores falas que certamente nenhum cidadão em condições naturais as proferiria, e sua estrutura levemente folhetinesca e pasteurizada. Entretanto, essa artificialidade do roteiro é superada pelo desempenho radiante de Beltrão e também pelos esforços do filme de retratar Hebe Camargo como uma figura humana, repleta de contradições na relação entre seu discurso e suas práticas.
A direção de Maurício Farias não é marcada pelo experimentalismo ou pelo arrojo estético, mas dentro do seu convencionalismo Hebe: A Estrela do Brasil demonstra simpatia e consciência de que o recorte de um período na vida da personalidade biografada trabalha mais a favor do material do que a tentativa de dar conta de toda a jornada do biografado na Terra. Como Hebe Camargo, Hebe: A Estrela do Brasil é bem humorado, cheio de carisma, irreverência e exuberância. Conservador como cinema, é verdade, mas como a própria Hebe, certeiro e instigante justamente por ser marcado pelas contradições histórica e culturalmente enraizadas no Brasil até hoje.
Hebe: A Estrela do Brasil, 2019. Dir.: Maurício Farias. Roteiro: Carolina Kotscho. Elenco: Andréa Breltrão, Marco Ricca, Danton Mello, Daniel Boaventura, Caio Horowicz, Gabriel Braga Nunes, Stella Miranda, Felipe Rocha, Otávio Augusto, Karine Teles, Ivo Müller. Warner, 112 min.
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