por Klaus Hastenreiter
“Ninguém jamais havia se visto retratado num filme. Nos love-ins ao redor do país as pessoas estavam queimando fumo e tomando LSD, enquanto as plateias ainda estavam vendo Doris Day e Rock Hudson”.
O texto de Dennis Hopper, diretor de Sem Destino, lançado em 1969, define bem o clima de desilusão com o cinema vivido nos Estados Unidos no período. Era um momento de transição, onde a repetição de fórmulas dos grandes clássicos da Era de Ouro daria lugar a geração dos baby boomers, onde a sujeira do realismo invadiria as telas através do olhar de jovens diretores como Paul Schrader, Francis Ford Coppola e Martin Scorsese. É nesse momento de mudança, de dualidade entre a inocência e a violência, da ascensão da influência da televisão na vida dos espectadores, que se passa Era uma vez em… Hollywood, o novo filme escrito e dirigido por Quentin Tarantino.
Cinéfilo confesso e formado pela locadora de videos onde trabalhou nos anos 80, Tarantino tem em sua filmografia a paixão pelo cinema como tema recorrente. Se em Cães de Aluguel, seu primeiro longa-metragem, e Os Oito Odiados vimos a encenação da vida real ressignificada por situações limítrofes, em Pulp Fiction foi o humor cotidiano de arquétipos ficcionais que garantiu ao realizador a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Sempre embebido por inspirações de diversos gêneros cinematográficos, o diretor teve sua apoteose temática no climax de Bastardos Inglórios ao utilizar o poder do Cinema para matar prematuramente o próprio Adolf Hitler.
Nada mais do que natural então unir seu apreço pela metalinguagem em um título que remete diretamente a clássicos do seu gênero favorito, o western. Era uma vez em… Hollywood se torna então a grande ficcionalização da própria indústria cinematográfica no fim dos anos 60, ao brincar com os mitos e as figuras que imortalizaram suas mãos na calçada da fama. Pelo olhar do protagonista, o ator Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), Tarantino nos revela uma Los Angeles que contrasta a efervescência cultural e a decadência, uma mistura que nos remete diretamente ao período em que a instituição cinematográfica passava.
“Estou acabado”, diz Rick ao perceber a trajetória decadente de sua carreira, sem notar o enorme potencial que o Cinema poderia ainda te trazer. Renegado a pequenos papéis na televisão, com uma péssima fama pelos excessos na vida pessoal, o personagem se torna em si uma metáfora para o processo caótico de transfiguração que vivia a sétima arte no ano de 1969. Sim, há cinquenta anos atrás a frase “o Cinema está acabado” já era proferida por alguns críticos mais pessimistas, provando que não é exclusividade dos nossos tempos de remakes, reboots e cinema 3D a falta de crença no poder renovador de sua indústria.
“Estou acabado”, diz Rick ao perceber a trajetória decadente de sua carreira, sem notar o enorme potencial que o Cinema poderia ainda te trazer. Renegado a pequenos papéis na televisão, com uma péssima fama pelos excessos na vida pessoal, o personagem se torna em si uma metáfora para o processo caótico de transfiguração que vivia a sétima arte no ano de 1969. Sim, há cinquenta anos atrás a frase “o Cinema está acabado” já era proferida por alguns críticos mais pessimistas, provando que não é exclusividade dos nossos tempos de remakes, reboots e cinema 3D a falta de crença no poder renovador de sua indústria.
Existe aqui um cuidado minucioso para a reconstrução da década de 60, não apenas por um design de produção bastante inventivo, mas também por escolhas de enquadramento e montagem. Nesses últimos dois departamentos é que se dá o inchaço de sua narrativa, que em diversos momentos parece ficar em segundo plano em detrimento de um preciosismo na exposição de elementos que mal serão necessários para seu desenrolar. O ritmo, principalmente de sua primeira metade, se arrasta através das redundâncias de uma “over-ambientação” que emperra o potencial do filme de deslanchar. A empolgação de Tarantino com o assunto em pauta e a falta de uma mão firme na montagem como a de Sally Menke (falecida montadora de seus filmes até 2010) para separar o que seria ou não pertinente para o público, faz com que uma generosa fatia de seus mais de 160 minutos sejam completamente dispensáveis e prejudiciais ao longa.
E se por um lado, o último ato do filme indica uma necessidade de melhor desenvolvimento da relação de amizade entre Rick e seu dublê Cliff, surpreende a sensibilidade e delicadeza no trato do roteiro com a personagem de Sharon Tate. Em um de seus momentos mais singelos, a atriz vai ao cinema assistir a um filme que fizera parte. Seu olhar para tela do cinema: seu espelho, seu objeto de fascinação, carrega mais uma vez o peso que Tarantino tanto investe na arte cinematográfica como invólucro da identidade humana. Sharon, a representação da pureza, da inocência, aquela cuja a barbaridade da História marcou com sangue sua existência, era tão espectadora quanto nós. A cena extrapola o campo da homenagem à personalidade, morta brutalmente pela família Manson, e se torna uma maneira criativa de apontar a imortalidade de Tate, efetivada através do registro audiovisual.
E se por um lado, o último ato do filme indica uma necessidade de melhor desenvolvimento da relação de amizade entre Rick e seu dublê Cliff, surpreende a sensibilidade e delicadeza no trato do roteiro com a personagem de Sharon Tate. Em um de seus momentos mais singelos, a atriz vai ao cinema assistir a um filme que fizera parte. Seu olhar para tela do cinema: seu espelho, seu objeto de fascinação, carrega mais uma vez o peso que Tarantino tanto investe na arte cinematográfica como invólucro da identidade humana. Sharon, a representação da pureza, da inocência, aquela cuja a barbaridade da História marcou com sangue sua existência, era tão espectadora quanto nós. A cena extrapola o campo da homenagem à personalidade, morta brutalmente pela família Manson, e se torna uma maneira criativa de apontar a imortalidade de Tate, efetivada através do registro audiovisual.
Mais uma vez, Tarantino usa o cinema como ferramenta de reparação histórica, inclusive traçando paralelos interessantes sobre o cinema e a política de 1969 e 2019, em pequenos detalhes em comum que parecem nunca mudar. Apesar dos excessos e empolgações, sua direção permanece contida por um uso consideravelmente maior de câmera estática, passiva e mais observadora em sua decupagem. Essa estratégia conduz muito bem o espectador na crescente ficcionalização da realidade, para que em determinado momento, ao romper de vez o pacto com o mundo real, ele possa brincar com seus zooms e rápidos chicotes novamente.
Era uma vez em… Hollywood é um filme sobre a eterna crise que atravessa o Cinema desde sua criação, até os dias de hoje. Uma jornada do herói distorcida e bem humorada na forma como se utiliza do Cinema para rir dele (e com ele!), de suas idiossincrasias, sua mitologia e de sua glamourização pela indústria estadunidense. Um herói decadente, mas que com fé e perseverança na instituição cinematográfica, pode ser capaz de atravessar os grandes portões de ferro do Olimpo para ganhar a vida eterna que apenas a tela do cinema é capaz de proporcionar.
Era uma vez em… Hollywood é um filme sobre a eterna crise que atravessa o Cinema desde sua criação, até os dias de hoje. Uma jornada do herói distorcida e bem humorada na forma como se utiliza do Cinema para rir dele (e com ele!), de suas idiossincrasias, sua mitologia e de sua glamourização pela indústria estadunidense. Um herói decadente, mas que com fé e perseverança na instituição cinematográfica, pode ser capaz de atravessar os grandes portões de ferro do Olimpo para ganhar a vida eterna que apenas a tela do cinema é capaz de proporcionar.
Once upon a time in Hollywood, 2019. Dir.: Quentin Tarantino. Roteiro: Quentin Tarantino. Elenco: Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie, Al Pacino, Margaret Qualley, Emile Hirsch, Timothy Olyphant, Julia Butters, Austin Butler, Dakota Fanning, Bruce Dern, Damian Lewis. Sony, 161 min.
Assista ao trailer:
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