Apesar do título costumeiramente ser atribuído a Pulp Fiction, Cães de Aluguel é o filme seminal da carreira de Quentin Tarantino e do próprio legado do cineasta para o cinema. É possível perceber no primeiro longa de maior visibilidade do cineasta, marcas que o próprio legou ao cinema desde então como a narrativa cronologicamente não-linear, seus diálogos inesperadamente banais e repletos de referências à cultura pop, o apreço pela trilha sonora, o uso da violência etc.
O filme de Tarantino é praticamente um guia do que ele viria a aplicar posteriormente e é possível perceber em Cães de Aluguel elementos que retornaram à carreira do diretor. Por exemplo, o filme tem início com o grupo de bandidos protagonista da narrativa num café discutindo a carreira de Madonna, incluindo seus sucessos "Like a Virgin" e "True Blue", algo parecido é feito em Kill Bill Volume 2 com as falas do personagem de David Carradine sobre o Superman e também em Pulp Fiction. A ação centrada basicamente num galpão abandonado também lembra Os Oito Odiados, que igualmente apresentava um grupo de personagens de caráter questionável preso num ambiente e se engalfinhando por não confiarem um no outro.
A trama de Cães de Aluguel acompanha um grupo de bandidos que pouco se conhecem, mas são reunidos por um homem para assaltar uma joalheria. A ação criminosa dá errado pois a polícia chega ao local antes do previsto e eles imediatamente passam a suspeitar que exista um traidor no grupo.
Mais enxuto do que a maioria dos longas do realizador, Cães de Aluguel é um filme cheio de ritmo centrado na incompatibilidade entre os códigos de conduta do seu grupo de personagens. A situação amplifica a tendência desses personagens a colocarem suas respectivas vocações para a violência e o instinto de sobrevivência acima dos códigos de lealdade da máfia que até então víamos em dramas criminais importantes na filmografia americana como O Poderoso Chefão.
Rever Cães de Aluguel pode causar uma sensação de déjà vu porque determinadas ideias do filme foram utilizadas à exaustão por outros cineastas (bons e ruins) e também porque o próprio Tarantino acabou se parodiando com o tempo. Filmes como Amnésia e 21 Gramas ou o brasileiro Cidade de Deus talvez não existissem como são não fosse esse longa de Tarantino, daí a sua importância histórica, mas não fica por aí. O longa segue repleto magnetismo por sua trama cheia de ritmo, reviravoltas e personagens nuançados.
Tarantino consegue transformar figuras desprezíveis e as situações de violência animalesca que provocam em horas de entretenimento, algo que sempre foi questionado em sua carreira pelas mais variadas instâncias (críticos, academia, sociólogos, psicólogos), mas que vale uma atenção particular. Cães de Aluguel é a síntese do esquema de trabalho do cineasta, atestando sua relevância e daquilo que ele produziria a seguir.
Reservoir Dogs, 1992. Dir.: Quentin Tarantino. Roteiro: Quentin Tarantino. Elenco: Harvey Keitel, Tim Roth, Michael Madsen, Chris Penn, Steve Buscemi, Lawrence Tierney, Quentin Tarantino, Edward Bunker, Kirk Baltz, Randy Brooks. 99 min.
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