Um dos realizadores mais interessantes do país nos últimos anos, Gabriel Mascaro imagina para o Brasil uma situação que não é muito difícil de avistar. Em Divino Amor, a religião toma as rédeas de uma sociedade "calejada" com os problemas do país. Joana, a protagonista do longa interpretada por Dira Paes, é uma funcionária de cartório responsável pelo setor de divórcios que volta e meia tenta reverter as decisões dos casais que atende através de palavras da Bíblia e sugere vez ou outra um grupo de ajuda que alega resgatar o amor em relacionamentos que passam por turbulências. A própria Joana passa por um momento complicado já que tenta a todo custo engravidar do marido Danilo e não tem conseguido muito sucesso.
Com Divino Amor, Gabriel Mascaro cria uma distopia brasileira com o estado e sua questionável aplicação do princípio da laicidade. É nesse contexto que surgem iniciativas como o grupo Divino Amor frequentado pela protagonista, que propõe uma leitura particular sobre princípios bíblicos, entre eles, o do amor compartilhado.
A expectativa por algum tipo de intervenção divina frente ao caos que se transformou a realidade do país surge como um anseio dominante no filme. O realizador propõe então "embarcar" nesse tipo de sentimento e sugere uma versão particular sobre o retorno do messias.
Divino Amor é um longa que gradualmente provoca. Mascaro testa os limites das convicções religiosas da sua personagem, da predisposição dos centros de dar suporte ao seu rebanho - e com o passar da trama, percebemos que a ajuda da igreja a Joana não é tão incondicionada assim - e cria para a sua protagonista um arco que reitera a ingrata e sacrificante jornada de descrença pública a um notório personagem bíblico.
Divino Amor é um longa de percepção singular sobre o seu tema, correndo longe de isenções. Com sua visão de futuro, Mascaro traz suas impressões inflamáveis sobre um tópico corrente na cinematografia sob um ponto de vista que, claramente, pode atender a um grupo e desagradar outro, imagino que ateus e evangélicos poderão ter impressões bem polarizadas sobre a obra. No entanto, o cineasta parece consciente desses efeitos colaterais e não camufla em momento algum de que lado dessa "guerra" parece estar.
Divino Amor, 2019. Dir.: Gabriel Mascaro. Roteiro: Gabriel Mascaro, Rachel Ellis e Lucas Paraizo. Elenco: Dira Paes, Julio Machado, Emílio de Mello, Teca Pereira, Thalita Carauta, Mariana Nunes. Vitrine Filmes, 101 min.
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