Em O Tradutor, o contexto político é determinante para o andamento da trama envolvendo o núcleo central de personagens. A co-produção Cuba/Canadá traz como pano de fundo a relação entre Cuba e a União Soviética durante o desmantelamento do socialismo simbolizado pela queda do muro de Berlim em 1991. Nesse meio caminho, a vida do casal Malin e Isona é transformada. Durante a escrita da sua tese de doutorado, Malin tem suas aulas de literatura russa suspensas na universidade e é convocado pelo governo para prestar serviços num hospital como tradutor em uma ala que está atendendo crianças com câncer após o ocorrido em Chernobyl.
Ao longo da história, transformações severas ocorrem na vida de Malin e Isona. Eles ficam sabendo da chegada de um segundo filho, o professor começa a se afeiçoar com as crianças em tratamento e o casal começa a enfrentar dificuldades financeiras decorrentes do tenso momento para a economia de Cuba. O professor e agora tradutor começa a rever as prioridades da sua vida e o casamento é afetado por esse processo de transformação interna.
O longa é dirigido pelos irmãos Rodrigo e Sebastián Barriuso, que possuem uma forte ligação com a história, mas preferem neutralizar seus sentimentos ou expô-los por meio de uma certa artificialidade ou frieza. O Tradutor convoca uma emoção que parece nunca estar presente em cena, sobretudo na relação de Malin com os pacientes, aquilo que, curiosamente, impulsiona a transformação do personagem. A todo momento, o filme sublinha como essa experiência no hospital foi transformadora para o professor e pesquisador, entretanto, as cenas nesse cenário oscilam entre uma frieza nos seus encontros com as crianças ou o drama exacerbado e artificial, como na situação da mãe de uma menina. O que é uma pena, pois a experiência de Malin no hospital sempre é frisada como determinante em sua jornada pela obra.
Nos momentos em que aborda a situação de Cuba no início dos anos de 1990 e o reflexo disso na dinâmica de Malin com a esposa Isona e o filho mais velho, O Tradutor tem uma resposta mais fluida. Não só porque Rodrigo Santoro e a atriz Yoandra Suárez conseguem estabelecer uma dinâmica íntima, afetuosa e complexa para a relação do casal, mas porque o roteiro da produção cria situações que possibilitam mostrar a dinâmica e rotina familiar sendo gradativamente transformada pelos processos políticos do país: a escassez de dinheiro, as mudanças no pagamento dos trabalhadores, a falta de alimentos em supermercados, a ausência de gasolina em postos de abastecimento etc. Tudo isso vai trazendo tensões para a casa daquela família, aflorando problemas que antes pareciam passar longe daquele lar harmonioso.
Assim, O Tradutor sublinha a importância de entendermos que transformações macro (estrutura de um país) afetam nossas vidas (relações familiares, profissão etc.), ninguém está alheio nesse processo. É um filme que reflete bem sobre a crise da pátria pelo viés particular, um tema que ao final do longa demonstra tocar pessoalmente os Barriuso e que possivelmente é vivenciado por muitos principalmente no momento em que vivemos e que parece vivenciarmos por muitos anos ainda.
Un traductor, 2018. Dir.: Rodrigo Barriuso e Sebastián Barriuso. Roteiro: Lindsay Gosling. Elenco: Rodrigo Santoro, Yoandra Suárez, Maricel Álvarez, Nataliya Rodina, Milda Gecaite, Genadijs Dolganovs, Eslinda Nuñez. Galeria, 107 min.
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